Mesmo sendo fator de crise permanente, Carlos Bolsonaro continuará no comando das redes sociais do presidente Bolsonaro. Ele diz tudo o que o pai gostaria de dizer, mas não pode em função do cargo
Embora já tenha demonstrado diversas vezes que se trata de um fator de crise permanente, o presidente Jair Bolsonaro não vai “demitir”seu filho Carluxo do comando das suas redes sociais. Como escrevi antes de voltar aqui para Os Divergentes, “há método no Golden Shower“. Carlos Bolsonaro é uma espécie de Grilo Falante ao contrário de Jair Bolsonaro. Se na fábula infantil o bichinho servia de consciência ao boneco de pau Pinóquio, cochichando no seu ouvido palavras de moderação, Carluxo berra radicalismo nas orelhas do pai presidente. Ele diz tudo o que o pai gostaria de dizer mas que, em função do cargo, não pode assumir.
O vídeo de Olavo de Carvalho criticando o vice-presidente Hamilton Mourão, o pivô da nova crise, não foi a primeira postagem a aparecer e depois ser retirada dos perfis de Jair Bolsonaro nas redes. Isso tem acontecido rotineiramente. Foi assim, por exemplo, no tal vídeo do ator que lia texto defendendo a ditadura militar. A postagem entra, provoca seus efeitos, depois sai como se fosse um engano. Mas os filhos de Bolsonaro – especialmente Carlos, e um pouco menos Eduardo. Flávio é o que menos entra nessa trama, embora tenha sugerido à turma do Hamas que se explodissem – seguem depois mantendo a tensão.
Fica claro que o papel de Carlos Bolsonaro é botar fogo no circo. Depois, o presidente sai de debaixo da lona a tempo e os dois ficam contemplando o incêndio. É uma experiência meio maluca, fruto desses novos tempos de comunicação via redes sociais que ainda desafia o entendimento dos analistas políticos. Nas redes sociais, a ideia de diálogo e concertação de ideias que sempre marcou as democracias é substituída por uma guerra. Ninguém quer convencer ninguém. Quer apenas derrotar os adversários, seguir em frente e deixar os corpos vencidos pelo caminho.
É um tipo de estratégia que funcionou muito bem para fazer Bolsonaro chegar com grande sucesso à Presidência da República. Da mesma forma como fizera com Donald Trump nos Estados Unidos. Nesse ambiente de guerra, permite a vitória não exatamente daqueles que tenham os exércitos maiores. Mas de quem tenha os exércitos mais organizados para a guerra virtual.
No caso de Bolsonaro, ele obteve assim os 15% mais radicais que são as tropas bolsonaristas mais fieis. Uma tropa que teve papel importantíssimo para dar ao presidente a musculatura inicial que o colocou de forma competitiva na campanha. Ao longo do tempo, para além disso, a candidatura foi se ampliando pela forma como colou como antípoda do petismo. Quando se consolidou na maioria do eleitorado o desejo de por fim à era do PT no poder, os demais eleitores além do bloco inicial consolidado de 15% de bolsonaristas aderiram ao projeto. E venceram a guerra.
O problema é que, vencida a guerra, é preciso construir tempos de paz. E é aí que o modelo de Carluxo não se encaixa. Ele não sabe viver em tempos de paz. Ao derrotar os inimigos da campanha, vai colecionando novos inimigos. Cola, então, no presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que devia ser o avalista no Congresso das reformas estruturantes, a pecha de “velha política”. Enxerga em Gustavo Bebianno, que comandou o partido de Bolsonaro na campanha, o “vazador” de notícias para a velha imprensa. Enxerga nessa velha imprensa, cujos proprietários alinham-se inteiramente com a necessidade das reformas e com o pensamento liberal, “um bando de esquerdopatas comunistas”. E vê Hamilton Mourão como um inimigo que quer tomar do pai o poder. Escolhe Olavo de Carvalho como aliado, alguém que tem exatamente como especialidade tocar fogo nos circos. Nem no Brasil vive para não sofrer as consequências dos incêndios que provoca.
Parece mais do que evidente para qualquer grupo sensato que, vencida a guerra, Bolsonaro precisaria ampliar-se do seu grupo original de 15%. E os aliados óbvios seriam os grupos conservadores no Congresso – como o DEM de Rodrigo Maia -, os setores liberais da sociedade – do qual fazem parte os proprietários dos meios de comunicação -, e os militares – meio com o qual Bolsonaro, embora fora do Exército há mais de vinte anos, sempre procurou se identificar.
Não deixa de ser verdade o argumento, que parece definir o comportamento de Carlos e que Jair Bolsonaro endossa, de que esses grupos sempre pretenderam tutelar o atual governo. Especialmente os militares e os partidos conservadores tradicionais, como o DEM. Enxergam, sim, em Bolsonaro, uma janela de oportunidade. O presidente coloca seu filho Carluxo para resistir a isso a seu modo nas redes sociais. Provocando, porém, um estado de crise desnecessária. Que transforma os tempos que deveriam ser de paz em novos tempos de guerra.
No entanto, não há qualquer sinal – a não ser de quem cultive alucinações paranoicas – de que tais grupos tenham a intenção de apear Bolsonaro do poder para assumir em seu lugar. Parece mais claro um desejo de ascender pegando carona no fenômeno para colher os frutos mais tarde, nas disputas eleitorais do futuro.
Se Mourão preparou-se para, como vice, exercer um papel mais moderado do que o figurino que envergava antes como militar, palmas pra ele. Compreendeu como deve se comportar em tempos de paz. Talvez pudesse mesmo ser mais discreto. Mas isso deveria significar aceitar as excentricidades, para dizer o mínimo, de certas declarações e comportamentos do governo?
Se o Congresso e os partidos tradicionais mais conservadores querem colher frutos de uma aproximação com o governo, também não é algo que devesse surpreender. Mesmo que ninguém aconselhe Bolsonaro a ser fisiológico e aceitar o toma-lá-dá-cá, é natural que o DEM e outros partidos queiram exercer poder de influência que sirva como cacife para voos eleitorais mais tarde. E se o governo precisa desse apoio para aprovar seus projetos no Congresso, precisa saber aceitar isso. Mais adiante, com o sucesso dos projetos, que dispute o papel de protagonista. Quem quer aprovar emenda constitucional tem de estar preparado para fazer esse jogo.
Vencida a guerra, em tempos de paz, o vencedor precisa se ampliar sobre os derrotados. Não pode imaginar que eliminará da face da Terra todos os demais e reduzir o Brasil aos seus 15% mais fieis. É onde esbarra a estratégia de Carlos Bolsonaro. Carluxo não sabe ser governo. Só sabe ser oposição.
RUDOLFO LAGO ” BLOG OS DIVERGENTES” ( BRASIL)