A Lava Jato de Curitiba acabou? Nem morrer sabe o que viver não soube. Na despedida, operação anuncia ter pedido R$ 15 bilhões em reparação aos cofres públicos. Entre pedir e conseguir, vai uma distância. E quanto custou a destruição da indústria de construção de base no país? E quanto custou em empregos?
E quanto custou em agressão ao estado de direito e ao devido processo legal? E quanto custou e tem custado, inclusive em vidas, ao ter ajudado a levar Bolsonaro ao poder? Acabou, mas é “cadáver adiado que procria”. Vaza Jato trouxe as entranhas dessa gente à luz.
Vem muito mais da Operação Spoofing, tudo indica. Custou a condenação sem provas de um ex-presidente, tornado peça do jogo eleitoral. E conversas revelam isso. O Brasil se deu muito mal, mas procuradores e ex-juiz se deram muito bem.
Alguns de terninho preto lucraram com palestras. Sergio Moro agora é sócio de empresa que tem alvos da Lava Jato como clientes. Dá vergonha até de escrever. É de vomitar.
“Você é contra o combate à corrupção?” É pergunta de idiota ou de canalha. A operação acabou, mas não os desastres que provocou. Também a história continua. E será contada.
E, sim, a imprensa como um todo tem de pensar o papel que desempenhou nesse desastre ao se comportar como porta-voz e torcida. Tornou o combate à corrupção valor absoluto, acima da democracia e do estado de direito. É bom lembrar que alguns dos maiores desastres da humanidade se deram em nome de Deus — que, suponho, pode estar num patamar ligeiramente mais elevado do que o do combate à corrupção…
Na democracia, acima do estado de direito e do devido processo legal, o que se tem é autoritarismo. O desastre civilizacional está aí. A agressão a fundamentos básicos do direito está na raiz da festa de arromba de Arthur Lira e seus valentes, paga por um “empresário amigo”.
ALHOS COM BUGALHOS
Não venham misturar alhos com bugalhos. Augusto Aras, até agora, não pediu investigação sobre os múltiplos crimes que o Código Penal diz que Bolsonaro cometeu quando se cotejam os tipos penais que aparecem em tal código com a atuação do presidente. É claro que é um absurdo!
“Ah, mas ele está contribuindo para acabar com a Lava Jato”, responde um outro. Essa operação não deveria mais existir faz tempo. É puro marketing de um grupo que tentou ser maior do que o Ministério Público Federal, concorrendo para a corrosão do seu caráter.
O que era a “Lava Jato”? Tudo aquilo que os manipuladores de um ente do estado brasileiro decidissem que era.
Na sua despedida, os valentes anunciam ao mundo o seu “produtivismo punitivista”: 1.450 mandados de busca e apreensão; 211 mandados de condução coercitiva; 132 mandados de prisão preventiva; 163 mandados de prisão temporária…
Os tontos e os vagabundos intelectuais tomarão isso como medida de eficiência. Dadas todas essas ações, quantas transgrediram o devido processo legal? Entre as conduções, por exemplo, deve estar a de Lula, não é? Há arreganho mais autoritário do que aquele?
Entre os mandos de busca e apreensão, está um feito à casa da filha de um investigado com o claro propósito de chantagear o país.
ABUSOS
Lei de leniência (12.846) e a de organizações criminosas (12.850) — a de delação — foram instrumentalizadas a serviço de um aparelho que acabou se constituindo como força política. Tentou até ter o seu próprio e bilionário orçamento, tentando uma espécie de confisco para a causa de multa paga pela Petrobras.
O uso sem freios e sem regras claras das duas leis gerou dois tipos teratológicos para a democracia: 1) o empresário sequestrado, que vai dizer tudo o que querem que diga para não apodrecer na cadeia; 2) o bandido supostamente arrependido, a quem se dá o “direito” de escolher alvos, podendo, inclusive se vingar de desafetos.
Nos dois casos, o sequestrado e o bandido têm de falar aquilo que os acusadores querem ouvir, como bem sabe Léo Pinheiro. Cito apenas o caso mais escandaloso. A única sombra de algo parecido com prova — e que não é — contra Lula é o depoimento deste senhor. Arrancada depois de uma longa jornada, que inclui uma delação cancelada e que não acusava o ex-presidente.
E, como evidencia a festinha de Lira, a corrupção acabou no Brasil, certo?
Ah, meus caros! Combatê-la é um dever legal, político, ético e moral. Respeitadas as regras do jogo da democracia, do estado de direito e do devido processo legal.
O que nós vimos foi a ascensão de um projeto de poder, que assaltou a institucionalidade em nome do bem.
Que esse desastre não se repita. E, sim, estou de olho para saber se Bolsonaro pretende ter a sua própria “Lava Jato”, com ou sem a condescendência da Procuradoria-Geral da República.
Este jornalista repudia aqueles que, individualmente ou em grupo, tentam se colocar acima das instituições, pouco me importa a cor da bandeira que levantam: se verde-e-amarela ou vermelha.
Por aqui não passarão.
REINALDO AZEVEDO ” SITE DO UOL” ( BRASIL)