OS BRASILEIROS SUCUMBEM ENQUANTO MAIA OBSERVA IMPASSÍVEL

CHARGE DE NANDO MOTTA

Cresceu muito nos últimos dias a onda para despertar da sua inércia o personagem letárgico em que se transformou o deputado e presidente da Câmara, Rodrigo Maia, zeloso coveiro das dezenas de pedidos de impeachment contra um presidente evidentemente miliciano, o mais escandalosamente assassino, o pior governante do planeta, maior responsável pela morte intencional (“fazer o quê?”) de mais 200 mil brasileiros e a infecção de outros 8 milhões.

Por uma espécie de omissão de socorro, Rodrigo Maia é sócio dessa tragédia, tendo deixado decorrer o prazo dentro do qual o impeachment de Bolsonaro forçaria a realização de novas eleições. Agora, a medida, se aprovada, acarreta a posse do general vice-presidente. Fazer o quê? Diante do flagelo, Maia dá de ombros e melancolicamente, dia após dia, vai empurrando o tema com a barriga até a escolha do seu sucessor na presidência da Câmara.

Dorme bem Rodrigo Maia lavando as mãos diante do legado de dor e destruição que sua omissão apadrinha? Tudo bem ter um presidente que não lidera o país no combate ao vírus, que nega a pandemia, recusa máscaras e isolamento social, que aconselha falsas panaceias e desdenha das vacinas, agulhas e seringas? Frente a um governo assim, as vítimas, as famílias enlutadas, os profissionais de saúde, não merecem de Maia um gesto que seja a chance de uma satisfação, um ajuste de contas? Nem mesmo os bebês prematuros sem oxigênio, uma ala inteira de um hospital em Manaus morrendo asfixiada abalam o presidente da Câmara de sua marmórea indiferença? Tudo bem engavetar tantos crimes de responsabilidade cometidos ao ar livre, nas barbas da nação? É para ele etéreo o crime da “rachadinha”, a incitação direta ao fechamento do Legislativo e o Judiciário, o uso da Policia Federal e da Abin para acobertar crimes do presidente e de seus filhos?

Inventam-se muitas desculpas para tentar justificar o falso autismo de Maia. Muitos dizem que o apoio (agora decaído) de parte da população a Bolsonaro justificaria a omissão. Afirmam que não adiantaria nada “queimar” a “tese” do impeachment levando-a a plenário agora para ser derrotada. Falsos realistas, cabeças de planilha, balbuciam tautologicamente: não é possível fazer nada porque ninguém faz nada. A possibilidade da derrota é a desculpa eterna dos omissos.

Acontece que os acoelhados e calculistas serão forçados a agir. As cenas desesperadoras da crise de Manaus, a possibilidade de seu espalhamento pelo Brasil, a falta de oxigênio para prematuros, a superlotação de UTIs e dos hospitais, a transferência de pacientes, a negligência intencional no combate à pandemia, a promoção de remédios comprovadamente ineficazes, a falta de apoio às estruturas de saúde e o descaso na coordenação da obtenção de vacinas e na logística da vacinação abalam até os mais alienados. No plano administrativo, a nível estadual e municipal, as estruturas sanitárias de governos de direita (para não falar dos outros) já romperam com a incúria da atuação federal.  

Na sociedade, a indignação contra Bolsonaro cresce. Sua derrota nas redes sociais é nítida. Os panelaços se sucedem com adesão crescente da classe média em regiões que eram favoráveis ao capitão em 2018. Pesquisa Poder360 do início deste mês de janeiro de 2021 já havia flagrado o súbito crescimento da desaprovação ao governo Bolsonaro de 46% para 52%, o nível máximo da série histórica. A mesma pesquisa, quinzenal, sai a campo agora pela segunda vez neste mês.  

Quem sabe a contabilidade da opinião pública possa afinal fazer Maia despertar de seu langor? Será que ela vai realizar o que a irrefreável procissão das almas não havia conseguido? Até mesmo a mídia chamada hegemônica parece ter se convencido de que Bolsonaro é inviável. Os colunistas dos veículos conservadores estão liberados, desde que não se esqueçam de alertar sempre que o apoio parlamentar a Bolsonaro no Congresso continua o mesmo, se não for crescente.

Para a oposição, seja como for, há conjunturas em que cumpre agir mesmo em minoria, até mesmo que não houvesse chances de vitória. Agora há. Até a coligação da direita favorável a Bolsonaro começa a ceder, com a recente inesperada adesão do próprio presidente do Partido Novo, João Amoedo, que tem evidentes vínculos com a finança. André Lara Rezende, importante expoente dos economistas com vínculos com o tucanato, assinou importante manifesto do grupo 342Artes pedindo o impeachment.   

Em política, é importante ação do líder no momento certo. Há situações em que mais do que o momento, é fundamental a correção da ação, sua justeza. Ulysses Guimaraes enfrentou os cães da ditadura em situação desvantajosa. Ao fim do seu mandato, Rodrigo Maia prepara-se apara entrar para a história como o personagem que tinha os meios para desvincular-se da conivência com o genocídio e o desgoverno. A hora exige decidir entre entrar para a história como falastrão ocioso, testemunha passiva do massacre mesmo detendo a exclusiva posse dos instrumentos para curá-lo ou como um estadista. Aceito o exame de um dos mais de 60 pedidos de impeachment, restaria então a decisão congressual sobre a continuidade de Bolsonaro, discussão necessária, para os partidos, as bancadas, os governos, o Judiciário e até os militares. Destes, porém, espera-se pouco ou nada. A história mostra que são caso perdido.

MARIO VITOR SANTOS ” BLOG BRASIL 247″ ( BRASIL)

Mario Vitor Santos é jornalista. Foi ombudsman da Folha e do portal iG, secretário de Redação e diretor da Sucursal de Brasilia da Folha.

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