O CASTELHANO DO PRATA COM SOTAQUE LUSO

  • A querida Província Cisplatina, atual Uruguai, foi o único território das Américas que se manteve fiel à Coroa de Lisboa, em 1822, quando Dom Pedro (1798 – 1834), Primeiro no Brasil e Quarto em Portugal, proclamou a Independência – embora seu pai, Dom João VI (1767 – 1826), O Clemente, fosse o soberano do Império. A Cisplatina passaria, posteriormente, a ser parte do Brasil e, em 1830, portanto, há 190 anos, com o aval do próprio Dom Pedro, começaria a trilhar o caminho da autonomia, respaldada, geopoliticamente, por manobras diplomáticas do Foreign Office de Londres.
  • Por quase 150 anos o Uruguai constituiria um invejável modelo de democracia à europeia no Novo Mundo – valendo-lhe, inclusive, a reputação de ser a Suíça americana. Mas um golpe militar, em 1973, mancharia a histórica democracia e por 12 anos a nação viveria sob uma ditadura. A redemocratização aconteceria em 1985 e o Uruguai recuperaria, parcialmente, seu prestígio internacional. Dois de seus chefes de estado, nestes últimos 35 anos, se tornariam admirados em todo o continente. Um deles é o colorado José Maria Sanguinetti, que completou 85 anos em seis de janeiro deste ano, e o outro, o tupamaro José Mugica, da Frente Ampla, de 86 anos. Ambos, coincidentemente, se despediram da política, de forma oficial, no dia 20 de outubro de 2020, quando renunciaram a um novo mandato a que teriam direito, segundo a Constituição, como senadores vitalícios. Justamente uma década anterior aos festejos do bicentenário da independência do Uruguai – que integrara o espanhol IV Vice-Reinado do Rio da Prata.  
  •  Curiosamente, num dos revolucionários ensaios dos anos dourados do Realismo Fantástico, “Las Venas Abiertas de América Latina”, lançado em 1971, o escritor uruguaio Eduardo Galeano (1940 – 2015), enfatiza, para retratar o caráter nacional do país, que sua Montevidéu natal, ao contrário das grandes metrópoles das Américas e da Europa, antes de construir uma igreja e um palácio, teve um café – conforme artigo publicado na edição de 17 de agosto de 1980 do diário francês Le Monde. Bandeira da Cisplatina lusitana ilustra a coluna.
  • Mais que uma cafeteria, inspirada nos charmosos cafés de Paris, era, na verdade, um local, como definiu o autor, no qual podia-se comprar de tudo, desde agulha, bebidas e panelas a um pacote de fumo. Algo parecido, talvez, com uma bodega portuguesa ou um almacén da Galícia, como são designadas as viejas mercearias pelos espanhóis daquela região, ao Norte de Portugal, que habitaram as Américas e, a partir do século passado, imigrariam em massa, principalmente, para Buenos Aires, Montevidéu, Havana, Santos e a baiana Salvador. Essas mercearias costumam ser denominadas, igualmente, de pulpería em toda a Hispano América. Já os cafés, propriamente ditos, são uma tradição herdada dos povos islamizados de língua árabe que dominaram por 700 anos a Península Ibérica – do século VII ao XV. As pulperías, às quais se refere Galeano, existem, também, na Espanha e todavia em Portugal – misturando, em um mesmo endereço, bar, cafeteria e empório.  
  •  Coube à Dinastia de Bragança o início da ocupação das terras uruguaias. A primeira cidade erguida pelos lusos foi Colônia do Santíssimo Sacramento, fundada, em 1680, pelo lisboeta Manuel Lobo (1635 – 1683), Governador da Capitania Real do Rio de Janeiro. E, 40 anos depois, Montevidéu. Explica-se, assim, o fato de que até hoje 15 por cento da população da antiga Suíça das Américas ainda fale o português.   

ALBINO CASTRO ” PORTUGAL EM FOCO” ( BRASIL / PORTUGAL)

Albino Castro é jornalista e historiador

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