PAÚRA

CHARGE DE GILMAR

Contemplar oceanos de desafios e calcular com frieza qual a melhor forma de fazer a travessia e chegar vivo na margem oposta conservando-se otimista quanto ao sucesso da empreitada, mesmo que as equações do destino fossem de terceiro grau e sempre houvesse um “X” incógnito a tornar pessimistas os cálculos. Foi assim que sempre encarrei a vida, nos planos pessoal ou profissional. Destemor é diferencial competitivo cultivado por mim desde a adolescência. Louco, irresponsável, arrogante, ousado, afoito… foram adjetivos colados à minha personalidade ao longo do tempo. Olho de lado e procurar deixar para trás que os vomita como a pregar rótulos.

Ainda em 2018, e durante colóquios profissionais promovidos para plateias de ora de executivos e empresários, ora de políticos com e sem mandato, pintei uma paisagem impressionista pontilhada de pessimismo e cores berrantes para explicar como seria o horizonte do Brasil com Jair Bolsonaro na Presidência. “Mas isso parece um pôr-do-sol, e não um alvorecer”, implicou um executivo de multinacional de bebidas numa dessas palestras. Ele estava otimista – quase exultante. Andava orgulhoso por ter perfilado nas hostes bolsonaristas desde o primeiro turno. “Na verdade, companheiro, o sol já se pôs. Se você ainda enxerga luz no quadro que eu pintei, é a rosa incandescente do cogumelo atômico. Vai dar tudo errado e esse idiota não governa”. O vaticínio, tomado por implicância, quase me custou de imediato o contrato com o cliente. Como as coisas não andaram a contento em 2019, na virada de ano para 2020 a empresa fez um corte de despesas e metade dos consultores externos rodaram. Eu estava entre eles.

“Não quero ter razão – quero apenas o reconhecimento de que estava certo quando tudo der errado. Porque dará errado, é só uma questão de tempo”. Encerrava assim a minha análise prospectiva há dois anos. Hoje, ela parece engenharia de obra feita. O já era possível vislumbrar desde antes da posse dessa trágica quadrilha que está no Governo brasileiro:

  • O País perderia protagonismo no mundo e caminharia para a irrelevância diplomática. Done.
  • Empresas brasileiras passariam a sofrer paulatina discriminação lá fora em razão da pauta ambiental “contracíclica” tocada por um ministro conhecido por ser um facínora anti-preservação. Done.
  • O presidente tentará governar por Medidas Provisórias, pois não respeita e não sabe como funciona o Congresso apesar de ter passado 28 anos lá. A maioria das MPs seria rejeitada, criando problemas jurídicos porque produziram efeitos legais durante a vigência. Done.
  • Aos poucos, os militares da ativa – sobretudo os oficiais das três forças – se rebelariam contra o protagonismo de generais de pijama colocados em cargos de maior relevância. Quem ascende ao generalato quer ter o seu tempo de mandar. Done.
  • Bolsonaro irá tentar governar com sua base ideológica, apostando cada vez mais no discurso de ódio para dividir a sociedade e lançá-la ao jogo maniqueísta de extremos. Ele não precisa de metade do eleitorado para governar e chegar com chances a um eventual segundo turno em 2022 – precisa, apenas, de um quarto dos eleitores brasileiros com ele. Done.
  • Rapidamente, a mídia mainstream, tradicional, descobrirá quão covarde foi ao açular a sociedade contra Lula, Dilma e o PT crendo no mito da tutela. Ninguém tutela um presidente eleito com mais de 50 milhões de votos. Done.
  • Há um deserto de biografias no Congresso, e mesmo entre os governadores eleitos no último leito, e nenhum deles terá força para unir as oposições contra a caneta do Palácio do Planalto. Done.
  • Paulo Guedes não tem nem autoridade, nem qualidades, nem preparo, nem conhecimento dos meandros da política para comandar a Economia num cenário desfavorável às suas teses pedestres e suicidas. Ele não é um formulador, é um doutrinador – uma espécie de Antônio Conselheiro que transformou “Chicago” na sua Canudos. Done.
  • Haverá miséria e fome no país a partir de 2021. O Governo terá perdido instrumentos e ferramentas de governança e de transparência. A sociedade terá de escolher entre sobreviver ou lutar contra a insanidade instalada no Planalto. Done.


Em apertada síntese, era o que antevia lá atrás. O pessimismo não era retórico. Mas, sim, fruto de três décadas de jornalismo e de mergulhos com escafandros de teflon nos charcos de areia movediça existentes na Praça dos Três Poderes e na Esplanada dos Ministérios, em Brasília; nas avenidas Paulista e Faria Lima, em São Paulo; e na Avenida das Américas, na Atlântica e na Vieira Souto, no Rio.

Conforme queria demonstrar, deu tudo errado. A pandemia decorrente da contaminação dos cinco continentes por Covid-19 apenas catalisou todo o processo de regressão e de deterioração do Brasil e do Estado brasileiro. As boçalidades atrozes e pérfidas de Bolsonaro trataram de expor nosso processo de degradação ao mundo mais rapidamente em meio aos impactos da tragédia do coronavírus. Agora, o futuro imediato não me dá medo: traz-me paúra. Essa palavra que trouxemos do italiano é usada para descrever sensações que suplantam o proverbial e prosaico medo. A paúra é algo mais agudo, mais intenso, mais forte e menos previsível que o medo.

A chegada de 2021 não me enche de esperança, nem me provoca medo. Medo é para os fracos. O ano que entra, em que pese termos a vacina no horizonte, tem de provocar paúra nos brasileiros. E a panaceia para a cascata de males que afogam o País começa com o cultivo de um remédio duro: cortar o mal pela raiz e salgar o solo de onde ele surgiu a fim de evitar o florescimento de novas ervas malsãs. Posto que não temos um Congresso integrado por líderes ou composto por uma maioria de capazes, não creio no impeachment. O andar de cima, os privilegiados da sociedade brasileira, não têm grandeza para executar o impedimento de um presidente catastrófico – temem-no, quando deviam odiá-lo; resignam-se às perversidades doentias dele, quando deviam executá-lo pelos acordes constitucionais. Foram bufões corajosos contra uma mulher, Dilma Rousseff, pondo em marcha o golpe do impeachment sem crime de responsabilidade. No momento em que a irresponsabilidade vil toma conta do Palácio do Planalto, amofinam-se.

A saída é usar uma ferramenta contrária à Democracia, a favor do jogo democrático. Em 2021, será fundamental abrir o arsenal de possibilidades de sobrevivência do Estado nacional e lançar mão de todas as armas do jogo duro constitucional contra Jair Bolsonaro. Há duas trincheiras abertas em Brasília para isso, e elas devem se tornar em valões de terra fértil em que precisa vicejar a interdição do presidente da República.

Uma dessas trincheiras é o inquérito da produção e uso de fake news com o objetivo de assassinar reputações e instaurar o ódio e o divisionismo na sociedade. O ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes tem em mãos um vasto repertório de crimes comprovados que não só batem na Presidência – mas foram, de fato, executados sob o comando ou com o beneplácito de Bolsonaro para catapultar a popularidade dele e promover o linchamento de adversários. O rol de ataques às instituições republicanas é suficiente para até monitorar o fim melancólico do Governo e decretar a inelegibilidade futura do louco que governa o Brasil.

Além desse inquérito das fake news que corre no STF, a chapa Bolsonaro-Mourão de 2018 será julgada em 2021 no Tribunal Superior Eleitoral. É fato comprovado, já, pelos auditores do TSE, que há um sem=número de ilegalidades na prestação de contas do PSL – Partido Social Liberal, o de número 17, pelo qual esse facínora se elegeu. Jamais foi crível aceitar que uma campanha presidencial, num Brasil de 180 milhões de eleitores, custasse R$ 2,8 milhões como ele alegou nos papeis formais apresentados ao TSE. Sobram falsidades naquelas prestações de contas – e a inelegibilidade futura dos integrantes da chapa vitoriosa em 2018 está no radar do Tribunal Superior Eleitoral. Além dela, claro, o esquema revelado por sucessivas reportagens da Folha de S Paulo, a maioria delas de Patrícia Campos Mello, quando veio à tona o uso ilegal de disparos de fake news por robôs (bots) promovidos a partir de “fazendas de likes” e centrais de extermínio de biografias instaladas em países como Eslovênia, Rússia, Israel e Irlanda.

Se 2020 sai de cena sem deixar qualquer nostalgia nos brasileiros, pois somos contemporâneos da tempestade perfeita – um palhaço genocida e pérfido instalado na Presidência da República no momento em que tentamos sobreviver a uma pandemia por vírus insidiosa e à desorganização do modelo econômico mundial – a perspectiva de 2021 provoca-me paúra. O novo ano tem de chocar logo na entrada, nos primeiros três meses. No curso deles, quando poderemos vislumbrar o resultado das eleições para as Mesas Diretoras do Congresso, a agenda de julgamento do STF e do TSE e a consolidação dos cenários trágicos da economia, poderemos ter alguma esperança de olhar para o horizonte e vê-lo claro. Ou não.

LUIS COSTA PINTO ” ” BLOG BRASIL 247″ ( BRASIL)

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