Se este é o tenebroso ano da peste, o Natal de 2020 é no mínimo estranho. Eu, pelo menos, nunca vivi um 24 de dezembro igual, recolhido no meio do verde, com uma chuva melancólica que me desperta a memória de muitos dezembros iluminados.
Olhando ao redor, e esquecendo a data, sobram razões para se preocupar, e muito. Sinceramente, não vejo espaço algum para otimismo. Não se trata de um olhar pessimista, mas realista.
Mais do que nunca, vivemos num país sem norte nem rumo.
Confesso, de saída, minha mais profunda inveja dos amigos mexicanos, chilenos e argentinos. No México e no Chile já começaram a vacinar, a Argentina começa a qualquer momento.
Há nos três (e em muitos outros países da nossa América) plena coordenação entre os governos nacionais e estaduais e municipais, enquanto aqui não a temos nem seringas, nem agulhas, nem nada.
As pencas de militares ardorosamente espalhados no ministério da Saúde, na Anvisa e onde quer que se olhe, mostram claramente que não têm a mais mínima ideia de como agir. A única coisa que sabem fazer é obedecer cegamente a tudo que o Aprendiz de Genocida determina.
Isso, para não falar em todo o resto.
Mas ainda assim, e apesar de tudo, é Natal. E mesmo para quem, como eu, é ateu e agnóstico, trata-se de uma data de confraternização, ainda que à distância. E aproveito para duas coisas.
A primeira, mandar meu abraço afetuoso não só aos meus eventuais leitores, mas aos companheiros de jornada.
E a segunda: lembrar, uma vez mais, que sou de uma geração que colecionou perdas. De quem tomaram tudo ou quase.
Só não nos tomaram a memória, a capacidade de indignação e de resistência. Não nos tomaram a certeza de que saberemos nos manter na superfície – recordando conquistas, nos mantendo indignados e resistindo.
E é assim que sabemos, como disse Francisco num momento de especial pontaria, que apesar do Ogro, apesar de tudo, amanhã há de ser outro dia. De mais luz e menos breu.
ERIC NEPOMUCENO ” BLOG BRASIL 247″ ( BRASIL)