2020, BOM PARA BOLSONARO, PÉSSIMO PARA O BRASIL

CHARGE DE MIGUEL PAIVA

Um dia, longe no futuro, talvez percebamos que algo de bom aconteceu no Brasil em 2020. Hoje, não dá para ver nada. Foi um ano que começou mal, piorou dramaticamente e termina horroroso. Fizemos uma eleição municipal, mas nem ela trouxe alento. Feita às pressas, mal acochambrada, batendo recordes de não participação, sem debates e sem contraditório, só podia dar no que deu, a vitória da Arena e do PFL.  

Bolsonaro festeja, enquanto o País lamenta 200 mil mortes e sete milhões de doentes, a economia real afunda e nada anda. Não foi derrubado, manteve azeitados os negócios da família, aproveitou-se dos luxos do poder, o que mais alguém como ele poderia querer?  

A pandemia lhe foi favorável. De um lado, adiou as cobranças, se não de resultados, ao menos de projetos e planos minimamente consistentes. Ao término do primeiro ano do governo (por assim dizer), as pesquisas mostraram que a paciência das pessoas com sua incompetência e verborragia estava se esgotando, e parecia que chegaríamos à metade de 2020 em crise aguda de popularidade. 

Mas, com a pandemia, a pauta da opinião pública mudou e sua responsabilidade se diluiu, pois não há nada melhor que uma tragédia mundial para minimizar as falhas de um governante. Continuamos a ter uma economia parada, o desemprego aumentando, a renda caindo, sem politica de educação, saúde, meio ambiente e tudo o mais. Só que a culpa de Bolsonaro ficou menor. 

De outro lado, a epidemia o obrigou a fazer o que nunca quis e que seus economistas abominavam: destinar recursos às pessoas necessitadas, dando-lhes condições de sobrevivência. O trocado que pretendiam dar foi aumentado pelo Congresso e o medo da reação popular fez com que a cobertura do programa crescesse. Assim, surgiu um auxílio emergencial substancialmente maior e mais duradouro, que fez bem à sua avaliação.   

Se olharmos a mais recente pesquisa do Datafolha, realizada agora em dezembro, vemos o saldo de popularidade que o auxílio propiciou: no Nordeste, onde o fenômeno foi mais visível, a reprovação diminuiu de 52%, em junho, para 34%. Como estava em 35% em agosto, parece que o ganho de popularidade foi mesmo de 17 a 18 p.p. e não subiu nos últimos meses. No total, portanto, considerando o peso do Nordeste na população brasileira, o auxílio teria dado ao capitão entre 4 e 5 p.p. de melhora na taxa nacional. Ou seja, o auxílio reverteu a tendência de queda que vinha de 2019 e ainda o fez crescer uns pontinhos.      

O que acontecerá com seus números de agora em diante? A epidemia, à medida em que o tempo for passando, ainda poderá ser usada como desculpa? E o que vai acontecer quando o auxílio for interrompido, pois é insustentável em seu patamar atual de custos, da ordem de 50 bilhões de reais ao mês?  

Mas houve outro ganho para o capitão em 2020: ao longo do ano, em parte em função de suas reações à pandemia, surgiu um novo tipo de bolsonarismo. Mais irracional, mais xucro, mais ignorante. Menor do que aquele que chegou a existir  na eleição de 2018, quando ainda havia quem acreditasse que Bolsonaro era “novo”, “diferente” e “merecia uma chance”, mesmo se fosse “grosseirão”. 

Este ano sepultou essas fantasias, à medida em que o governo se revelou um amontoado de generais ridículos, políticos picaretas e burocratas terraplanistas. O que fizeram no enfrentamento do coronavirus, do gasto de milhões em remédios inúteis ao incentivo a comportamentos idiotas, é evidência de sua falta de qualificação. 

Não há mais ilusões a respeito de Bolsonaro. Há quem esteja com ele por pequenos interesses e não precisam disfarçar, como os militares que apenas querem uma boquinha. Há os muito ricos que só esperam lucrar com as jogadas do governo, toleram-lhe a breguice e partem em seus jatos para o conforto de Miami. Há os bilionários da mídia e seus leais funcionários, que se horrorizam com ele, mas não o descartam, pois podem ter que usá-lo para derrotar a esquerda.      

O bolsonarismo se renovou: quem acompanha e admira o capitão, com tudo que é e representa, é um tipo de gente peculiar. São autoritários, supremacistas, misóginos, detestam pobres, negros, indígenas, homossexuais, mulheres que não aceitam “seu lugar”, artistas. Andam com pistolas na cintura, enfiam o dedo na cara dos fracos. Não usam máscaras e não se vacinam.  

É um equívoco supor que o modesto crescimento da avaliação positiva de Bolsonaro entre os mais pobres seja uma “popularização”. Há pessoas pobres que podem se parecer com os bolsonaristas de hoje, mas são minoria. Quem o aprovou quando veio o auxílio vai desaprovar quando acabar. 

Tomara 2021 seja o inverso de 2020: bom para o Brasil e péssimo para Bolsonaro. Feliz Ano Novo.

MARCOS COIMBRA ” BLOG BRASIL 247″ ( BRASIL)

Marcos Coimbra é sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi

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