O ano de 2020 marca o Quinto Centenário da coroação como Sacro Imperador Romano Germânico de Carlos V (1500 – 1558), natural de Gant, nos Flandres, atual Bélgica. Sua consagração ocorreu em 26 de outubro de 1520. Nenhum monarca, nestes cinco séculos, seria tão poderoso quanto ele, que ostentava, de fato e de direito, os títulos, simultaneamente, de Carlos I das Espanhas e das Américas e de Carlos V do Sacro Império Romano Germânico.
Foi beneficiado por um bem engendrado matrimônio, que, no final do século XV, uniu duas das mais importantes casas europeias. De um lado, Felipe (1478 – 1506), O Belo, nascido na encantadora cidade belga de Bruges, da Casa dos Habsburgo de Viena, do Sacro Império Romano Germânico – e que se tornaria, como Príncipe Consorte, Felipe I das Espanhas. E, do outro, a Rainha Trastâmara Joana I (1479 – 1555), que passaria aos livros de História com o infame epíteto de La Loca, filha dos Reis Católicos, Isabel I de Castela (1451 – 1504) e Fernando II de Aragão (1452 – 1516), senhores da ensolarada Sevilha, capital então do futuro reino unificado de Espanha.
Carlos tornou-se soberano dos espanhóis em 1519, após a morte de seu avô materno, Fernando de Aragão, e, no ano seguinte, em 1520, com o falecimento do avô paterno, Maximiliano de Viena, herdaria o trono do Sacro Império Romano Germânico – instituído em 800 pelo teuto Carlos Magno (742 – 814).
O católico Carlos V, cujo retrato ilustra a coluna, receberia a bênção do Papa Clemente VII (1478 – 1534) como Sacro Imperador Romano, em Bolonha, em 22 de fevereiro de 1530 – último monarca germânico a obter a honraria. Dedicaria praticamente todo tempo como soberano de tantos povos a enfrentar os embates religiosos que pululavam em vários pontos das Alemanhas, com a eclosão da Reforma Protestante de Martinho Lutero (1483 – 1546). Defrontou-se, ainda, com as constantes sublevações republicanas nos três países que, nos nossos dias, são monarquistas e integram o chamado Benelux, ou seja, Bélgica, Holanda (Países Baixos) e Luxemburgo, dos quais era também soberano – como Carlos I. Pouco se ocupou da Espanha e do Império do Novo Mundo.
Coincidentemente, como registram os estudiosos da Idade Moderna (1453 – 1789), não era Carlos o neto escolhido pelo próprio Fernando II de Aragão para suceder aos Reis Católicos, mas, sim, o irmão mais jovem deste, Fernando (1503 – 1564), nascido na castelhana Alcalá de Henares, próxima a Madri. Contudo, ironia das realezas, teve início e seria concluído com Carlos V o imenso domínio que amealhou, com astúcia e manobras políticas, inclusive para ser eleito mandatário do Sacro Império Romano Germânico – quando teria sido favorecido na compra do voto de príncipes feita pelo banqueiro alemão Jakob Fugger (1459 – 1525), O Rico, de família originária de mercadores venezianos judeus do século XIII.
Os Fugger, isto é, Fugitivo, em alemão, tiveram vínculos igualmente fortes com a Coroa de Lisboa, à época de Dom João II (1455 – 1495), O Príncipe Perfeito, para financiar a expedição que levaria à Índia, em 1498, o Almirante Vasco da Gama (1469 – 1524). Com a abdicação de Carlos V, bastante adoentado, seus impérios foram divididos, formando, assim, os dois ramos dos Habsburgo: o de Viena, que esteve no poder até o término da Grande Guerra (1914 – 1918), e o de Madri – estendendo-se até 1700, quando os Bourbon franceses galgaram o trono madrilenho.
O Senhor dos Senhores da Idade Moderna inspiraria a contemporânea União Europeia, que, aliás, tem a capital na Bélgica e, como epicentro econômico, os antigos territórios germanos. Integrados ao organismo estão também diversos países meridionais. Inclusive a Itália fazia parte do Império de Carlos V, ao Norte, e de Carlos I, ao Sul. Itália e o Benelux, bem como a Alemanha e a França, criariam, em 1957, durante os anos da Guerra Fria, incentivados pelos Estados Unidos, a Comunidade Econômica transformada, em 1993, em União Europeia.
ALBINO CASTRO ” PORTUGAL EM FOCO” ( BRASIL / PORTUGAL)
Albino Castro é jornalista e historiador