Para lá da derrota de Bolsonaro e do bolsonarismo, do êxito da direita neoliberal não fascista, do sucesso moderado mas reafirmador do protagonismo da esquerda, para lá das perdas e ganhos de cada partido, os resultados da eleição de domingo falam da volta à normalidade. E na normalidade, não há lugar para aventuras autoritárias e extremistas, como o bolsonarismo.
Não tivemos Sergio Moro vazando delações na semana eleitoral nem a Lava Jato demonizando o PT ou qualquer partido; não tivemos ninguém sendo adorado como mito ou demonizado como fonte do mal; não houve lugar para a antipolítica nem para a polarização raivosa; o antipetismo não morreu mas os petistas deixaram de ser acossados nas ruas ou chamados de petralhas; as fake news foram contidas e não houve ninguém arrancando com os dentes o dedo de outro, como em 2018.
E este aceno à normalidade talvez tenha sido o melhor saldo e a melhor promessa do pleito. O Brasil vai deixando para trás o ambiente envenenado do período 2016-2018, no qual a democracia foi dilacerada pelo golpe dissimulado de impeachment contra Dilma e a justiça foi utilizada como “law fare” para impedir que o candidato Lula concorresse e ganhasse a eleição presidencial. Aliás, o começo de tudo foi em 2014, quando Aécio Neves, tal como Trump hoje, não reconheceu a vitória de Dilma, abrindo caminho para a violação da vontade popular.
O ódio ao outro, a descrença na política e a crença de que Bolsonaro era o mito salvador, o anti-tudo-que-está-aí, estão custando muito ao Brasil. Custando inclusive milhares de vidas, pelo descaso e o negacionismo de Bolsonaro na pandemia. O cair é da ficha é que explica o fracasso dos candidatos apoiados pelo presidente, o grande derrotado do pleito.
Mas a volta à normalidade, ou o início dela, não será uma volta a 2014 ou 2016, naturalmente. Ocorreram mudanças na distribuição do poder entre as forças políticas convencionais, juntamente com a derrota do bolsonarismo que que ameaçou a democracia, destruiu conquistas, isolou e desmoralizou o país internacionalmente e promete para o ano que vem o caos econômico e social.
Na redistribuição, estamos vendo que o conjunto de partidos da direita não fascista levou a melhor, conquistando mais prefeituras em capitais e no interior. Mas que entre estes partidos, os do núcleo duro do Centrão, como PP e PSD, foram melhor sucedidos. E não exatamente por apoiarem vacilantemente o governo, mas por terem ampliado bancadas, cooptando quadros de outras siglas, e com isso abocanhado mais tempo de TV e mais recursos do fundo partidário. Estamos vendo também, nesta seara, o Democratas, que já andou tão desmilinguido, saiu-se mais musculoso, reelegendo prefeitos em Curitiba e Florianópolis, conquistando Salvador e chegando ao segundo turno no Rio. E que o velho MDB segue lentamente em declínio, passando agora para menos de mil prefeituras. Tendo ido para a extrema-direita em 2018, o eleitor faz agora sua meia volta, dizendo que é hora de voltar ao normal, de valorizar quem é conhecido e experimentado. E fez isso com uma parada no centro conservador.
Na esquerda, forçam a barra os setores da mídia que falam em derrota, depois de o PSOL ter levado Boulos ao segundo turno, de Manuela Dávila, do PC do B, também ter chegado lá em Porto Alegre, ou de Edmilson Valentin ter feito o mesmo em Belém. No conjunto, as vitórias do PSOL falam de renovação e frescor mas a esquerda, no conjunto, acumulou e ampliou forças. Mesmo que individualmente seus partidos, fora o PSOL, não tenham colhido grandes vitórias, juntos eles demarcaram o campo progressista. É verdade que o PT encolheu em número de prefeituras, mas é o partido que mais concorre no segundo turno, podendo recuperar-se ainda nas grandes cidades. No segundo turno, pode ganhar em Recife e em Vitória. Ainda assim, para um partido jurado de morte pela direita e a extrema direita, sobreviver já foi vitória.
Mais uma vez as esquerdas aprenderam a velha lição sobre a divisão. Quantos resultados não teriam sido diferentes se tivesse havido unidade? As alianças no segundo turno serão um ensaio para 2022. Em São Paulo, a rapidez com que o PT apoiou Boulos, incondicionalmente, falou de aprendizado. Mas haverá problemas mesmo agora. Quem dirá em 2022. Passado o segundo turno, que comecem a conversar de fato.
Para todos, outro tempo está começando. Este início da volta à normalidade tem tudo a ver com a derrota de Bolsonaro e dos bolsonaristas. Na normalidade democrática, não há lugar para o neofascismo, para o golpismo, para o obscurantismo e o negacionismo mais rudimentares. As trevas estão passando e não terão vez em 2022.
TEREZA CRUVINEL ” BLOG BRASIL 247″ ( BRASIL)