O último blefe de Bolsonaro no ensaio do que viria a ser o golpe aconteceu em 17 de junho. Foi um dia depois da ação da Polícia Federal, que cumpriu 21 mandados de busca e apreensão contra os aliados dele e de amigos dos garotos no Gabinete do Ódio envolvidos em atos pró-ditadura.
Bolsonaro avisou, dirigindo-se especialmente ao ministro Alexandre de Moraes, que determinara também a quebra do sigilo bancário da turma: “Eu não vou ser o primeiro a chutar o pau da barraca. Eles estão abusando”.
E subiu o tom das ameaças destinadas ao STF: “Está chegando a hora de tudo ser colocado no devido lugar”.
Essas e outras frases foram ditas no cercadinho do Alvorada. O cercado foi aos poucos sendo desativado como palco, e Bolsonaro nunca mais blefou como golpista. Nem ele nem os generais que o acompanhavam no apoio às manifestações de Sara Winter aos domingos na Esplanada ou emitiam notas ameaçadoras.
No dia seguinte à história da barraca, no dia 18 de junho, Queiroz foi preso. Bolsonaro se encolheu. Ele os militares já haviam levado chineladas de Gilmar Mendes, Luiz Fux e até de Dias Toffoli (sim, até de Dias Toffoli, em discurso lido por Fux), para que parassem com a história de que as Forças Armadas são o poder moderador.
Ninguém mais falou no poderoso artigo 142, abandonado por seus defensores num canto da Constituição como se fosse um inciso qualquer.
Bolsonaro é desde então um sujeito que esparsamente faz alguma declaração mais aguda. Mas nunca como fazia no cercadinho e na rampa do Planalto, mirando o pessoal de Sara Winter.
O tom das declarações passou a ser obtuso. A fala para a ONU seguiu essa linha. A Folha não está totalmente errada quando diz que ele se defendeu, e não que mentiu, no discurso em vídeo. Bolsonaro finge atacar, mas só se defende há muito tempo.
Defendeu-se no discurso na ONU da economia quebrada porque a culpa seria da pandemia, do Supremo, dos governadores e prefeitos. Defendeu-se da ‘campanha de desinformação’ contra o governo sobre a Amazônia.
Defendeu-se da grande ameaça representada pelos índios incendiários da Amazônia, que acabam comprometendo seu governo e os projetos de Ricardo Salles, um homem preocupado com bichos e povos da mata.
Defendeu-se das altas temperaturas que provocam queimadas no Pantanal e acionam labaredas espontâneas. Defendeu-se dos poluidores criminosos que trazem óleo ilegal da Venezuela para manchar a costa da brasileira.
Parece que Bolsonaro está acusando, mas ele se defende até quando ataca. Por isso se defendeu religiosamente das pessoas tomadas pelo demônio que propagam a cristofobia, uma nova arma da esquerda contra os que têm fé e Deus acima de tudo.
Bolsonaro e os generais não blefam mais, porque não têm como blefar. São homens defensivos. A extrema direita perdeu a capacidade e a vontade de atacar. O projeto agora não é mais o golpe, é a reeleição.
Bolsonaro passou apenas a mentir. Desistiu de ter amplos poderes por causa da série de eventos que mudaram o curso do seu plano e porque parece estar convencido de que nem Supremo nem Tribunal Superior Eleitoral vão ameaçá-lo.
As instituições envolvidas nas investigações em que ele e os garotos se enrolaram estariam sob controle, com exceção do Ministério Público do Rio. É o que Bolsonaro acha.
Enquanto isso, todos os dias sai alguma coisa no Globo e na Folha sobre as movimentações da família com dinheiro vivo e compras de apartamentos. Não é mais notícia, é paisagem. É como se os jornais mostrassem o que todo mundo sabe. São notinhas sem consequência.
O cenário faz com que Bolsonaro e sua turma fiquem mansos (até quando?) e só pensem na armação do esquema da reeleição.
Não é mais preciso ficar brabo. Há muito tempo o pé da barraca caiu sozinho. E, na cabeça dele, dos garotos e dos militares, nem a barraca existe mais.
MOISÉS MENDES ” BLOG BRASIL 247″ ( BRASIL)
Moisés Mendes é jornalista, autor de “Todos querem ser Mujica” (Editora Diadorim). Foi editor especial e colunista de Zero hora, de Porto Alegre.