EM JULHO DO ANO PASSADO, o ministro do STF Luiz Fux declarou em uma palestra para investidores: “Quero garantir que a Lava Jato vai continuar. E essa palavra não é de um brasileiro, é de alguém que assume a presidência do Supremo Tribunal Federal no ano que vem, podem me cobrar.” Até aqui essa promessa tem sido cumprida com louvor, sob os aplausos do lavajatismo.
Fux assumiu a presidência do STF num dos momentos mais complicados para a corte desde a redemocratização. Um juiz marcado pelo apoio absoluto à Lava Jato — a operação que naturalizou a violação da Constituição para atingir fins políticos — vai comandar um STF sob permanente pressão do bolsonarismo. Registre-se que, há poucos meses, indignado com decisões do Supremo, Bolsonaro decidiu mandar tropas para intervir no STF.
“Excelente. In Fux we trust“, escreveu o então juiz Sergio Moro para o seu parceiro lavajatista no MPF Deltan Dallagnol. Foi uma resposta ao relato de uma conversa que o procurador teve com Fux, na qual deixou claro o total alinhamento do ministro ao lavajatismo: “Disse para contarmos com ele para o que precisarmos, mais uma vez. Só faltou, como bom carioca, chamar-me pra ir à casa dele rs. Mas os sinais foram ótimos”. Fux é o homem da força-tarefa no STF.Assine nossa newsletterConteúdo exclusivo. Direto na sua caixa de entrada.Eu topo
Nem as publicações da Vaza Jato, que escancaram as barbaridades da operação, abalaram o lavajatismo de Fux. Isso ficou bastante claro em seu discurso de posse. Prestou reverências à força-tarefa e prometeu defendê-la: “Não permitiremos que se obstruam os avanços que a sociedade brasileira conquistou nos últimos anos, em razão das exitosas operações de combate à corrupção autorizadas pelo Poder Judiciário brasileiro”. Fux fala isso em um momento em que a Lava Jato passou a sofrer algumas derrotas no Supremo. Se depender do novo presidente, isso não irá mais se repetir.
É importante lembrar como o novo presidente do STF se curvou diante da violência institucional comandada pela Lava Jato. A popularidade da força-tarefa seduziu Fux, que não viu problema em driblar a Constituição para atender aos interesses lavajatistas. As tabelinhas entre procuradores e Fux eram frequentes como, por exemplo, quando ele suspendeu uma liminar que autorizava uma entrevista de Lula à Folha, atendendo a um pedido do Partido Novo. Na decisão, o ministro afirmou que “se faz necessária a relativização excepcional da liberdade de imprensa”.AtençãoSem a sua ajuda o Intercept não existe
No escurinho do Telegram, os procuradores temiam que a entrevista de Lula pudesse ajudar Haddad. Eles comemoram muito a decisão de Fux. Na época, o advogado da Folha de S. Paulo declarou que a decisão do ministro foi “o mais grave ato de censura desde o regime militar”. E foi. Mesmo dentro da cadeia, Lula era o líder nas pesquisas para presidente. Uma entrevista sua tinha grande potencial ajudar a alavancar Haddad, daí o desespero dos lavajatistas em impedi-la. Após suspender a liminar, Fux disse que as decisões da corte deveriam representar “o anseio da sociedade” — uma declaração vergonhosa para um ministro do STF, que deveria se guiar apenas pela Constituição, e não pelas paixões populares. Isso é lavajatismo na sua mais pura essência.Como bom lavajatista que é, Fux ajudou, ainda que indiretamente, a eleger Bolsonaro.
A Vaza Jato trouxe à tona o modo como a operação manipulava, com ajuda da grande mídia, o tal “anseio da sociedade”. Fux chancelou um ato de censura para atender os interesses da Lava Jato e, por tabela, contribuiu para a manutenção de Bolsonaro na liderança das pesquisas.
No discurso de posse, Fux mandou também um recado ao Planalto ao afirmar que a harmonia entre os poderes não se confunde com “contemplação ou subserviência”. A expectativa é a de que Fux seja mais duro com Bolsonaro do que foi Toffoli, até porque lavajatismo e bolsonarismo estão brigados. Mas é importante lembrar que, como bom lavajatista que é, Fux ajudou, ainda que indiretamente, a eleger Bolsonaro. Nos dois anos que antecederam a eleição, o ministro achou razoável ficar sentado em cima do processo em que o então candidato foi acusado de fazer apologia ao estupro naquele vergonhoso episódio com Maria do Rosário no Salão Verde. Se fosse condenado, Bolsonaro se tornaria inelegível.
Nos dois anos que precederam a eleição de 2018, Fux ficou sentado em cima do processo que acusava Bolsonaro de apologia ao estupro.
Foto: Andressa Anholete via Getty Images
Apesar de pregar a harmonia entre os poderes no seu discurso, Fux já interferiu em decisões do Legislativo para defender os interesses da Lava Jato. Em 2016, por conta própria, ordenou que a Câmara reiniciasse do zero a análise da famigerada “Dez Medidas Anticorrupção” — um projeto de lei criado por Dallagnol e sua turma que se viram também no direito de legislar. Os deputados aprovaram depois de fazer uma série de alterações que desfiguraram a proposta original. O ministro mandou os deputados refazerem tudo. A fé em Fux se justificou mais uma vez.
O juiz mal esquentou a cadeira de presidente do STF e já sinalizou por duas vezes seguidas que continuará sendo um soldado fiel. A primeira foi no dia seguinte à posse, quando Fux liberou as ações que contestam a implementação do juiz de garantias, uma figura que o lavajatismo sempre rejeitou. Hoje, apenas um juiz comanda o processo criminal. Com o juiz de garantias, as tarefas seriam divididas entre dois juízes. Um seria responsável pela instrução do processo, autorizando buscas e apreensões e quebras de sigilo, e o outro apenas julgaria depois que o caso fosse enviado à Justiça. Essa é uma das kryptonitas da Lava Jato, que tem lutado incansavelmente contra o juiz de garantias como se isso fosse um empecilho ao combate à corrupção.
Fux pagou o segundo pedágio à Lava Jato em seu primeiro ato como presidente do CNJ. Para atender à sanha punitivista da operação e do que ele chama de “anseio popular, Fux decidiu assinar a Recomendação 78, restringindo os casos em que presos afetados pelo coronavírus possam ser soltos. A recomendação anterior, assinada pelo ex-presidente Dias Toffoli, orientava os juízes a decidir sobre a soltura dos presos infectados, independentemente do crime cometido. A norma é uma recomendação, não uma obrigação. Os juízes avaliariam caso a caso. Fux decidiu atropelar Toffoli e incluiu uma norma que sugere que condenados por lavagem de bens e crimes contra a administração pública não devem ser beneficiados com a revisão da pena. É o fetiche punitivista da Lava Jato falando mais alto. Como bem escreveu o jurista Lenio Streck, a recomendação de Fux se baseia em “hierarquização de vidas”, o que fere a isonomia e a igualdade pregadas pela Constituição.
Além do lavajatismo, outra característica marca a figura de Fux: o corporativismo. Em 2014, Fux pressionou autoridades para que sua filha fosse nomeada desembargadora no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Pediu ajuda até para o então governador Sérgio Cabral, que foi seu cabo eleitoral para a vaga no Supremo. Marianna Fux, com apenas 32 e completamente desconhecida no meio jurídico, acabou conseguindo a vaga.
Naquele mesmo ano, ele decidiu aumentar as benesses dos seus colegas concedendo auxílio-moradia para todos os juízes por meio de uma liminar. Durante quatro anos, todos os seus colegas (inclusive sua filha) passaram a embolsar 4,3 mil mensais de auxílio-moradia. O auxílio só acabou quando o STF conseguiu arrancar um aumento de 6 mil reais nos salários dos juízes. Ou seja, o auxílio concedido por Fux era apenas uma forma de compensar a falta de reajuste no salário, algo que praticamente todas as categorias sofriam naquele momento. O Brasil tem um dos judiciários mais caros do mundo, e Fux não viu problema em torná-lo ainda mais caro.
Além de termos no poder uma extrema direita que vive atacando as instituições, agora temos também um STF presidido por um lavajatista, corporativista e adepto do populismo judicial. Não tem como isso dar certo.
JOÃO FILHO ” THE INTERCEPT” ( EUA / BRASIL)