No mesmo dia em que os nove principais países da Europa (Alemanha, Dinamarca, França, Itália, Noruega, Holanda, Reino Unido e Bélgica), reunidos na Parceria das Declarações de Amsterdã, enviaram uma carta aberta ao governo brasileiro cobrando medidas urgentes para conter o avanço do desflorestamento da Amazônia, o vice-rei da região, general Hamilton Mourão, simplesmente negou mais uma vez a gravidade do cenário de queimadas fora de controle, que batem recordes diários de destruição.
“Infelizmente, parte do mundo tem por vezes uma visão distorcida sobre o desmatamento ilegal e queimadas na Amazônia”, respondeu candidamente o general, ajeitando sua máscara de proteção do Flamengo, na entrada do Palácio do Planalto, bem longe das tropas que enviou à região.
Não é só “parte do mundo”. É o mundo inteiro que clama por providências do desgoverno brasileiro, responsável pela maior tragédia ambiental deste século.
“A atual tendência crescente de desflorestamento no Brasil está tornando cada vez mais difícil para empresas e investidores atenderem a seus critérios ambientais, sociais e de governança”, alertou a carta do grupo de países europeus.
A principal vítima desse desmazelo para com os interesses brasileiros será o Acordo Comercial da União Europeia com o Mercosul, cada vez mais ameaçado, mas Mourão não está preocupado com isso.
Para ele, tudo não passa de uma conspiração: “Não negamos ou escondemos informações sobre a gravidade da situação (?), mas também não aceitamos narrativas simplistas e distorcidas de campanhas difamatórias que abrem caminho para interesses protecionistas de outros países”. É um patriota…
Na terça-feira, o general culpou um misterioso funcionário do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) por “divulgar só dados negativos sobre a Amazônia”, como se a destruição não pudesse ser acompanhada pelos satélites de qualquer lugar do mundo.
Encarregado de tomar conta da Amazônia e de Ricardo Salles, o aloprado ministro destruidor do Meio Ambiente, Mourão afinou seu discurso com o dele e os dois resolveram declarar guerra ao mundo, caçando inimigos por toda parte, menos onde a floresta está queimando.
Poucas vezes se viu uma dupla tão afinada para detonar a imagem e os interesses comerciais do Brasil no exterior.
A cada dia que passa, a dupla Mourão & Salles avança na sua cruzada negacionista, sem dar sinais de reação.
Ainda nesta quarta-feira, os dois fizeram uma reunião com vários ministros para discutir outra carta que receberam de 280 organizações não governamentais e grandes empresas nacionais com propostas da Coalizão Brasil, Clima, Florestas e Agricultura. Nada foi divulgado sobre o encontro, a não ser que “algumas propostas já estão sendo tocadas pelo governo”.
É a primeira vez que ONGs e o agronegócio se unem em defesa da Amazônia, o que causou uma saia justa para o governo.
Há apenas duas semanas, em sua live semanal, o presidente Bolsonaro declarou o seguinte:
“Você sabe que as ONGs, em grande parte, não têm vez comigo. Boto pra quebrar em cima desse pessoal lá. Não consigo matar esse câncer, em grande parte, chamado ONG”.
Sem ter mais o que fazer, Ricardo Salles encontrou um culpado. Em entrevista à CNN Brasil, responsabilizou Lula e os governos do PT pelo “desmonte da infraestrutura de combate de incêndios na Amazônia”. O PT não está mais no governo desde 2016 e a infraestrutura começou a ser desmontada em 2019.
“Esse cidadão é desprovido de caráter”, respondeu Lula. “Molusco, fica na tua”, retrucou Salles no Twitter.
De volta ao gabinete, a única providência tomada pelo ministro foi nomear para sua assessoria especial um cidadão chamado José Vicente Santini, amigo do clã Bolsonaro, que ficou famoso por ter sido demitido da Casa Civil em janeiro, quando resolveu pegar um jato da FAB para fazer uma viagem exclusiva à Índia.
Por essa mordomia premiada, Santini receberá R$ 13,6 mil por mês.
Não há perigo de melhorar.
Vida que segue.
RICARDO KOTSCHO ” BALAIO DO KOTSCHO” ( BRASIL)