O ministro Luiz Fux, novo presidente do Supremo, já cometeu o segundo ato de estreia. Também em favor da Lava Jato e contra o estado de direito. Impressiona que, em tão pouco tempo à frente do STF, ele tenha batido continência duas vezes à operação. Passa a impressão de que é um devedor, obrigado a passar no guichê para se justificar. Teme o quê?
O primeiro ato consistiu em “liberar para votação” a sua liminar que suspendeu o juiz de garantias, mas sem pautar a matéria. Dado o seu passado — ficou quatro anos sentado sobre a medida que estendia o auxílio-moradia a todos os juízes e membros do Ministério Público, ao custo de mais de R$ 5 bilhões —, pode resolver deixar o tema para o próximo presidente e passar cozinhando o galo os próximos dois anos.
O que fez Fux desta vez?
Editou monocraticamente a Recomendação 78 do Conselho Nacional de Justiça — presidido por quem comanda o STF — que altera e prorroga o prazo da Recomendação 62. Essa Recomendação orienta que os juízes, em tempos de pandemia:
1 – evitem medidas socioeducativas fechadas para menores;
2 – reavaliem as prisões provisórias, especialmente no caso de gestantes, responsáveis por crianças de até 12 anos, idosos ou pessoas com deficiência;
3 – revejam prisões preventivas que excedam 90 dias em caso de crimes não violentos;
4 – avaliem a possibilidade de o preso deixar o regime fechado, priorizando aqueles mesmos grupos do item 2;
5 – concedam prisão domiciliar a pessoas que pertençam a grupos de risco;
6 – coloquem em prisão domiciliar condenados com diagnóstico suspeito ou confirmado de Covid-19;
O Artigo 1º da Resolução 62 esclarece que grupos de risco compreendem “pessoas idosas, gestantes e pessoas com doenças crônicas, imunossupressoras, respiratórias e outras comorbidades preexistentes que possam conduzir a um agravamento do estado geral de saúde a partir do contágio, com especial atenção para diabetes, tuberculose, doenças renais, HIV e coinfecções”.
ATENÇÃO! “Recomendação” não é “determinação”. Os juízes não são obrigados a seguir o que se dispõe ali.
Pois bem. Fux resolveu acrescentar o Artigo 5A à Recomendação 62 e cometeu o seguinte desatino:
“Art. 5-A. As medidas previstas nos artigos 4º e 5º não se aplicam às pessoas condenadas por crimes previstos na Lei no 12.850/2013 (organização criminosa), na Lei no 9.613/1998 (lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores), contra a administração pública (corrupção, concussão, prevaricação etc.), por crimes hediondos ou por crimes de violência doméstica contra a mulher.”
QUE NOME DAR?
Trata-se apenas do prazer do exercício discricionário. A Recomendação 62, por óbvio, não impunha aos juízes nenhuma decisão. E a avaliação sempre se faz caso a caso. O que se tem é um norte.
Ao recomendar que se ignore a condição de risco de presos por corrupção, lavagem e crimes contra a administração, Fux apenas acende mais uma vela para a Lava Jato.
Sabe, no entanto, que semeia em terreno fértil, não é? Afinal, qualquer manifestação em contrário pode se confundir com a defesa da corrupção. O nome disso é populismo judicial.
Venham cá: um preso por corrupção que pertença a um grupo de risco, cuja soltura não represente ameaça à sociedade, é diferente de outro criminoso em quê? É lícito ao presidente do Supremo decidir, monocraticamente, que ele deva ficar mais exposto à morte do que os recolhidos por outros delitos?
Deve-se considerar essa exposição maior uma pena extrajudicial imposta pelo presidente da Corte? E, sim, em um caso ao menos, decretou-se de maneira indireta a morte de um condenado.
O CASO MEURER
O ex-deputado Nelson Meurer, de 77 anos, tinha sido condenado por corrupção e lavagem de dinheiro. Era cardiopata, diabético, hipertenso e doente renal crônico. Seus advogados entraram com um pedido de prisão domiciliar. O caridoso Edson Fachin negou.
Pois bem: Meurer foi internado a 7 de julho com sintomas de Covid-19 e morreu cinco dias depois.
Fachin preferiu passar a responsabilidade adiante:
“A decisão monocrática [individual], sem olvidar [esquecer] do enquadramento de Nelson Meurer no grupo de vulnerabilidade, pautou-se na realidade apresentada pelo juízo corregedor de referida penitenciária, no sentido de que não se encontrava com ocupação superior à capacidade, destacando a existência de equipe de saúde lotada no estabelecimento”.
Huuummm… Fachin está dizendo que agiu certo, mas que o vírus não colaborou.
Que coisa, né? Meurer tinha sido condenado a 13 anos e nove meses de prisão. A decisão de Fachin valeu por uma pena de morte.
Se depender de Fux, outros “Nelsons” virão. Pela Lava Jato, tudo indica, ele faz qualquer coisa: até condenar à pena capital.
Por que esse ex-amigão de Adriana Ancelmo, mulher de Sérgio Cabral, tem tanto medo da força-tarefa, comportando-se como se fosse um mero despachante dos procuradores?
REINALDO AZEVEDO ” SITE DO UOL” ( BRASIL)