É estranho constatar que alguém tão completamente desprovido de qualidades quanto Bolsonaro ocupa o cargo de presidente da República. Tanto, que muita gente não acredita.
Não sem razão, pois é mesmo chocante que ele tenha vencido uma eleição majoritária no Brasil, país que, até há pouco tempo, era saudado mundo afora como invejável. Não apenas vencido, mas que faça o lastimável governo que, dizem alguns, chefia.
A incredulidade levanta duas suposições. A primeira é que ele talvez não seja o completo idiota que parece, e que, por trás das aparências, se esconderia um espertalhão. A segunda é que o tamanho de sua incompetência fará com que sua permanência no cargo seja breve.
É extraordinário, mas permanece a dúvida a respeito da incapacidade mental de Bolsonaro (e, por extensão, daqueles que orbitam em seu entorno), apesar de ele estar no cargo há quase seis meses. O tempo já deveria ser suficiente para um veredito.
Na esquerda, muita gente ainda imagina que o capitão e alguns de seus companheiros fingem-se de burros e malucos, para assim disseminar a confusão e dificultar a compreensão do que fazem. Bolsonaro, os patéticos filhos, os ridículos ministros, os desmiolados inspiradores, todos estariam acumpliciados nesse estratagema. A algaravia que fazem seria apenas uma cortina de fumaça para confundir as pessoas, enquanto realizam seus objetivos políticos e perseguem as metas de sua agenda econômica.
A dificuldade de aceitar que o bolsonarismo é exatamente o que vemos, que nada existe por debaixo dos panos e que os incompetentes parecem ser incompetentes porque o são (assim como os idiotas), talvez decorra de um equívoco a respeito da última eleição.
A vitória de Bolsonaro não é prova de sua sagacidade e superioridade em relação aos derrotados. Ele não venceu por ser, de alguma maneira, “melhor” que esses, o que, por motivos evidentes, os deixaria arrasados. Afinal, pior que Bolsonaro, ninguém quer ser.
Não cabe, no entanto, tirar essa lição do resultado eleitoral de 2018. É fato que o capitão venceu, mas isso não quer dizer que tenha sido uma vitória limpa ou legítima. Ao contrário, ela só veio em função de uma sucessão de golpes, sendo o primeiro a proibição da candidatura de Lula, promovida por ninguém menos que um bolsonarista, futuro assessor do dito cujo. Os derrotados perderam porque ele trapaceou, fugindo do debate democrático e se escondendo atrás de uma suspeitíssima junta médica. Ganhou porque arranjou aliados para financiar ilegalmente uma guerra suja nas redes sociais, para destruir a imagem do candidato petista.
Ninguém precisa inventar que Bolsonaro foi competente para não se sentir incompetente. Vencer o pleito não o tornou melhor do que sempre foi. Continua a não passar de um medíocre, cercado de medíocres, fazendo um governo medíocre. Para dizer o mínimo.
A segunda suposição a que a incredulidade nos conduz é que algo tão ruim quanto Bolsonaro só pode ter vida curta. Que alguém vai tirá-lo de cena em breve, para limpar o Palácio e arrumar a bagunça.
Várias opções para essa função de higienização foram cogitadas desde a posse. De todas, a principal são os militares, pois, afinal, o vice de Bolsonaro é um general do Exército, mais qualificado e menos idiota que o capitão. Mas há quem aposte que o Congresso, pelas mãos do presidente da Câmara, ou o “mercado” (incluindo seus porta-vozes na imprensa), decretando sua desconfiança definitiva no governo, poderiam abreviar o pesadelo de ter Bolsonaro no Planalto.
Equivoca-se quem pensa assim, por três motivos. O primeiro é o mais evidente: Bolsonaro e os bolsonaristas estão encantados com o poder e só deixarão seus postos quando forem enxotados. Pelo segundo motivo, é remota a hipótese de que sejam forçados a sair no curto prazo. É que a maioria da opinião pública, por enquanto, considera prematura a destituição de Bolsonaro, pois, de acordo com o senso comum, “ainda é cedo”: para as pessoas de baixo interesse por política e pouco informadas, seis meses são insuficientes. Chegará o dia em que a maioria da sociedade vai querer vê-lo pelas costas, mas não é agora.
O terceiro é óbvio: os que o colocaram lá supõem que ainda tem serventia. Não se iludem com o personagem, mas acreditam que podem aproveitá-lo. Bolsonaro está à disposição para fazer o serviço sujo do ultraliberalismo, mesmo que canhestramente, à maneira dele.
A variável crucial é o comportamento da maioria das pessoas. À esquerda, cabe a responsabilidade de esclarecê-las, mostrando os descalabros que o governo comete e oferecendo-lhes alternativa, sem permitir que a crítica seja apresentada como provinda de qualquer rancor por ter perdido a eleição.
MARCOS COIMBRA ” BLOG 247″ ( BRASIL)
Marcos Coimbra é sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi