
Célebre ditado repetido pelos povos de língua árabe, mas, sobretudo, no Líbano, que voltou ao noticiário mundial, em agosto deste 2020, com a explosão provocada por um incêndio em Beirute, diz que “quem cria, não morre”. O provérbio nos ensina que, ao deixar um legado, você será sempre recordado, mesmo após o desaparecimento. Referem-se, geralmente, aos filhos que trazem no rosto os traços do pai ou da mãe.
Encaixa-se, perfeitamente, na rica trajetória de Portugal. Há patrimônios portugueses, como bem sabemos, em todos os continentes. Lusitanos fundaram capitais africanas, como Luanda, em Angola, e Lourenço Marques, atual Maputo, em Moçambique, e cidades na Ásia, a exemplo de Nagasaki, no Japão, e Vasco da Gama, no Estado de Goa, na Índia.
Construíram nas Américas um imenso Portugal que chegou a se estender do Rio Amazonas ao Rio da Prata – em cujas margens criaram as duas primeiras cidades do atual Uruguai: Colônia do Sacramento, em 1680, diante de Buenos Aires, e Montevidéu, em 1721, no Estuário do Prata. Oceania é o único dos cinco continentes em que nunca teria sido fincado sequer um Padrão Português. Mas a herança lusitana, ali, é a própria descoberta do continente.
Foi um explorador alentejano, Cristóvão de Mendonça (1475 – 1530), nascido em Mourão, o primeiro europeu a colocar os pés na Austrália, quando lá aportou, em 1522, à caminho das Molucas, na Indonésia – de acordo com o historiador australiano Peter Trickett, na sua obra “Beyond Capricorn” (“Para além do Capricórnio”).
Tenho grande e especial admiração pelos monumentais legados dos portugueses em todo o planeta. Vários dos quais se encontram no coração do Brasil, na querida Minas Gerais, cortada ao centro, de Norte a Sul, pela belíssima Estrada Real, aberta no século XVII pelos Bandeirantes. Extraordinárias relíquias do Barroco e do Rococó portugueses estão presentes ao longo do trajeto, como na Metrópole, da fronteiriça Valença do Minho, debruçada sobre a Espanha, à algarvia Beja.
A Estrada Real, pelo Caminho Velho, começa em Diamantina e vai rumo ao Atlântico, percorrendo as entranhas do Ciclo do Ouro até Paraty, no litoral fluminense, onde eram embarcados os metais valiosos extraídos das minas da região. O Caminho Novo, traçado ainda no século XVIII, tem início próximo a Ouro Preto, a antiga Vila Rica, capital mineira de 1721 a 1897, levando ao Rio de Janeiro. Está no Caminho Velho a preciosa São José Del-Rei, atual Tiradentes, revelando aos olhos de viajantes, como eu e a minha esposa, Dona Andrea, que a visitamos em janeiro deste ano, o magnifico acervo arquitetônico dos casarios e de suas igrejas – conforme o retrato que ilustra a coluna.
A Estrada Real, marcada, nos dois roteiros, pelas obras do escultor luso-brasileiro Aleijadinho (1738 – 1814), possui 1630 quilômetros. Precisamente 400 quilômetros a mais do que a extensão das margens do Rio Minho, que nasce na espanhola Galícia, ao ensolarado Algarve. Atravessam serras e montanhas, emolduradas pela Mata Atlântica, com curvas muitas vezes sinuosas e, alguns trechos, há apenas calçamento de pedra – como nos oito quilômetros que separam Tiradentes de Bichinho.
Incrustradas na Estrada Real, estão, para além de Diamantina e Paraty, bem como Tiradentes e Bichinho, várias cidades que merecem uma visita. Uma delas é Ouro Preto. Outra é São João Del-Rei, terra do ex-Presidente Tancredo Neves (1910 – 1985) e do Cardeal Dom Lucas Moreira Neves (1925 – 2002). Destacam-se ainda Congonhas, cidade natal de Aleijadinho, Mariana, com seus altares rococós, Caxambu, famosa pela sua água, e Cruzília – produtora de deliciosos queijos. Uma estrada, enfim, digna da Realeza Portuguesa.
ALBINO CASTRO ” PORTUGAL EM FOCO” ( BRASIL / PORTUGAL)
Albino Castro é jornalista e historiador