O PERIGO DO USO DAS REDES SOCIAIS COMO MECANISMO DE BUSCA DURANTE A PANDEMIA

Leia o artigo do Nieman Lab

Milhões de pessoas buscam informações nas redes sociais, mas não há um bom filtro de credibilidadeReprodução/Nieman


Os vazios de dados nas redes sociais estão espalhando desinformação e causando danos ao mundo real. Aqui estão algumas idéias sobre como consertar o problema.

As pessoas estão usando o Facebook e o Instagram como mecanismos de busca. Durante uma pandemia, isso é perigoso.

Os vazios de dados nas redes sociais estão espalhando desinformação e causando danos ao mundo real.

Todos precisam ter acesso a informações confiáveis durante uma pandemia. Sem isso, as pessoas morrem.

Somos especialmente vulneráveis quando queremos saber algo —por exemplo, como tratar a covid-19— mas não existe informação confiável. No início da pandemia, reinava a confusão sobre os sintomas, as causas e os tratamentos. Postagens virais alegavam que corrimento nasal não era sinal da doença, ou que o alho, o álcool ou a luz do sol eram boas medidas preventivas.

Uma série de medicamentos foram experimentados e testados, incluindo cloroquina e hidroxicloroquina, favipiravir, remdesivir, azitromicina, e dexametasona. Alguns foram considerados eficazes, outros, nem tanto.

Se existe mais especulação ou desinformação em torno dessas questões do que fatos confiáveis, então os mecanismos de busca frequentemente apresentam isso a pessoas que, em meio a uma pandemia, podem estar em 1 momento de desespero. Isso pode levar a confusão, teorias conspiratórias, automedicação, estocagem e overdoses.

Esses momentos invisíveis de vulnerabilidade são conhecidos como vazios de dados: quando há altos níveis de demanda por informações sobre 1 tópico, mas baixos níveis de fornecimento confiável. Os vazios de dados foram inicialmente definidos por Michael Golebiewski e danah boyd em 2019, e descrevem vulnerabilidades que emergem de mecanismos de busca como o Google.

Quando se trata de vazios de dados, geralmente é feita uma distinção entre os mecanismos de busca e as plataformas de mídia social. Enquanto a interface primária dos mecanismos de busca é a barra de busca, a interface primária das plataformas de mídia social é o feed: encontros algorítmicos com postagens baseadas no interesse geral, não uma pergunta específica que você está procurando pela resposta.

Desta forma, é fácil deixar passar o fato de que também aqui existem vazios de dados: mesmo que a busca não seja a interface primária, ainda é uma funcionalidade importante. E, com bilhões de usuários, isso pode estar criando grandes vulnerabilidades sociais.

Se pretendemos responder às necessidades de informação à medida que elas surgem, e entender se elas estão causando danos, precisamos de uma maneira de monitorá-las.

Um trabalho importante tem sido realizado nesta direção. A International Fact-Checking Network (IFCN) tem visualizado as verificações de fatos relacionados ao coronavírus de seus membros  para nos ajudar a entender onde está sendo fornecida informação confiável. A empresa de ranqueamento da Amazon, Alexa, criou 1 painel de controle para monitorar artigos em inglês relacionados ao coronavírus que foram compartilhados no Twitter e Reddit. Outros exemplos, como o gathers.co, criaram 1 feed de artigos relevantes. Cada 1 desses esforços fala de uma necessidade social que ainda não foi alcançada: a de acompanhar o fluxo de informações confiáveis em tempo real.

Mas embora tenham existido esforços para rastrear a oferta de informações confiáveis, geralmente através de checagens de fatos ou notícias, o que não temos visto são tentativas de unir a oferta com a demanda: o que as pessoas querem saber imediatamente, e que informações estão recebendo.

O projeto First Draft passou os últimos meses construindo 1 painel para monitorar as lacunas de dados em parceria com a Universidade de Sheffield, em busca de uma maneira de identificar onde a demanda por informações confiáveis é muito superior à oferta. Os resultados dessa pesquisa serão publicados em breve, mas o mais urgente é compreender plenamente a ameaça que esses vazios de dados representam para a recuperação da pandemia.

PLATAFORMAS DE MÍDIA SOCIAL SÃO MECANISMOS DE BUSCA

O YouTube descreve-se como “o segundo buscador mais popular do mundo”.  Apesar de ser uma inteligente forma de marketing, a afirmação é honesta: as pessoas buscam informações nas mídias sociais, assim como nos mecanismos de busca.

Com bilhões de usuários, as plataformas de mídia social são a fonte primária de informação para muitas pessoas. Mas para quantas, não sabemos.

O YouTube permite que o público investigue o interesse de pesquisa em sua plataforma através de 1 recurso escondido no Google Trends. Considerando que o interesse no YouTube flutua independentemente do interesse no Google, é importante para nós monitorarmos ambos.

Mas não temos essa visão no Facebook, Instagram, Twitter, TikTok, Reddit e outros. Apesar da busca não ser a principal interface destas plataformas, é claro que, com bilhões de usuários, está faltando uma grande parte da nossa imagem sobre os vazios de dados.

PRECISAMOS DE 1 GOOGLE TRENDS PARA FACEBOOK, INSTAGRAM, TWITTER, TIKTOK, E REDDIT

Não temos ideia do que as pessoas estão procurando nas redes sociais, ou que resultados essas plataformas estão colocando na frente das pessoas. Claramente, as plataformas consideram que existem vulnerabilidades de desinformação baseadas em buscas em suas páginas, pois elas intervêm em certos resultados de pesquisa para promover informações oficiais.

Entretanto, elas não oferecem a transparência necessária para saber o que as pessoas estão buscando, como isso muda por localização, como tendências ou picos surgem em tempo real e que informações estão sendo colocadas na frente das pessoas nos resultados da busca.

Informações sobre tendências e postagens no Facebook e Instagram podem ser acessadas através do CrowdTangle, a ferramenta analítica do Facebook que mostra quais URLs e postagens estão ressoando. O interesse pode, até certo ponto, ser inferido a partir destas informações.

Mas há alguns problemas. Primeiro, o CrowdTangle cobre apenas postagens públicas, o que equivale apenas a uma pequena parte do que está acontecendo no Facebook. Segundo, ele não nos diz nada sobre as buscas na plataforma e os resultados conectados

Com bilhões de usuários, e provavelmente muitos mais bilhões de buscas, estamos perdendo uma grande parte da imagem que poderia ser proporcionada sem comprometer a privacidade do usuário.

O Twitter já tem 1 recurso de tendências, mas não há painel de controle para explorar múltiplos locais. Você só pode ver as tendências em sua localização como usuário individual, ou acessar os dados através de sua API como 1 desenvolvedor.

Entretanto, a API do Twitter não fornece informações sobre o interesse de busca. As tendências referem-se apenas a hashtags populares e palavras-chave dentro de tweets, transmitindo uma imagem do que as pessoas sentem-se inclinadas – e capazes – de expressar publicamente. A procura de informações via pesquisas é 1 tipo muito diferente de ponto de dados, e precisamos monitorar essas buscas, assim como o que os tweets estão apresentando de forma proeminente nos resultados.

Ainda que existam envoltórios API não-oficiais e ferramentas de análise para o TikTok, ao nosso entendimento não há possibilidade de rastrear tendências ou resultados de pesquisa.

A API da Reddit permite que os usuários consultem os tending subreddits, mas faltam informações sobre as tendências de buscas.

Bing representa 13% do mercado de pesquisa de desktop dos EUA, o que equivale a muitos milhões de usuários e muitas outras pesquisas. O Google estabeleceu o padrão para a análise dos mecanismos de busca, mas Bing, Yahoo e Duck Duck Go carecem da mesma transparência.

PRECISAMOS QUE O GOOGLE TRENDS SEJA MAIS PRECISO.

O Google está fazendo 1 trabalho importante para resolver os vazios de dados. Não só estabeleceu o padrão para análise de mecanismos de busca com o Google Trends, mas também está trabalhando diretamente no endereçamento de vazios de dados com o Question Hub, uma ferramenta projetada para identificar “vazios de conteúdo” e trabalhar com verificadores de fatos para preenchê-los. Este é 1 trabalho importante.

Entretanto, algumas pequenas mudanças melhorariam muito sua eficácia.

O Google Trends deve permitir consultas Booleanas. É uma pequena mudança, mas 1 grande impacto.

Primeiro, seremos capazes de buscar com mais precisão o interesse de uma população por 1 tópico, agregando o interesse em termos em vários idiomas. Em nossa pesquisa sobre vazios de dados na Grécia, queríamos pesquisar por “coronavírus OU κορωνοϊός”. Não fomos capazes de fazer isso, então tivemos que usar o termo em inglês em todos os países.

Em segundo lugar, seremos capazes de rastrear tópicos em vez de palavras. Em vez de apenas procurar a palavra “vacinas”, poderíamos procurar:

(vacinas OU vacina OU vacinação OU vacinações) E (inseguras OU feridas OU precipitadas OU perigosas OU…)

Isso significaria que poderíamos monitorar a hesitação em torno de narrativas específicas, tais como a segurança da vacina.

Google Search, Google Scholar, Google Alerts e outras ferramentas do Google já aceitam consultas Booleanas. Google Trends também precisa aceitar.

Precisamos de mais alertas. Não podemos passar o dia inteiro olhando para o Google Trends, por mais fascinantes que sejam as percepções. Portanto, precisamos de alertas por e-mail quando há picos e explosões. Atualmente, você só pode recebê-los semanalmente, e muitas vezes isso é tarde demais. Precisamos de alertas quando e à medida que eles ocorrem.

PRECISAMOS CONECTAR OS INTERESSES COM OS RESULTADOS.

Digamos que muitas pessoas estão procurando informações sobre a segurança das vacinas. A próxima pergunta é: que resultados elas estão obtendo? Que notícias estão se destacando? Quais estão sendo clicadas?

Precisamos de informações mais ricas sobre os resultados se quisermos ser capazes de determinar vazios de dados. Uma tabela mostrando os principais e os crescentes resultados para termos de pesquisa aumentaria muito nossa capacidade de monitorar para onde as pessoas estão sendo enviadas, e manter as plataformas para contabilizar as informações que elas expõem a seus usuários.

PARA ONDE VAMOS A PARTIR DAQUI

Precisamos de diferentes tipos de informações à medida que uma pandemia avança. No início encontramos muitas perguntas sobre a origem. Depois vemos mais demandas sobre remédios e tratamentos, muitos dos quais podem causar danos. Eventualmente, o mundo vira seus olhos para uma vacina.

É justamente aqui que estamos voltando nossa atenção agora. Será fundamental monitorar as necessidades emergentes de informação sobre as vacinas e responder às informações prejudiciais sobre segurança, moralidade, liberdade, necessidade, eficácia das vacinas e assim por diante.

Precisamos rastrear os vazios de dados relacionados às vacinas, a fim de salvar vidas. Com as mudanças no Google Trends, poderemos acompanhar melhor o interesse pelas narrativas e direcionar nossas respostas para elas.

Também precisamos ver as plataformas de mídia social agirem. Os primeiros indicadores, como as buscas sugeridas de “vacinas” no Facebook, TikTok, Instagram e Reddit, mostram o que é possível quando não conseguimos analisar o interesse, os resultados e os vazios das buscas.

Esperamos que algumas destas ações possam ser tomadas nos próximos meses, ao confrontarmos o próximo capítulo desta infodemia: informações prejudiciais sobre vacinação.

TOMMY SHANE ” NIEMAN LAB” ( EUA) / ” BLOG PODER 360″ ( BRASIL)

*Tommy Shane é o chefe de política e impacto da First Draft.
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O texto foi traduzido por Beatriz Roscoe.

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Poder360 tem uma parceria com duas divisões da Fundação Nieman, de Harvard: o Nieman Journalism Lab e o Nieman Reports. O acordo consiste em traduzir para português os textos que o Nieman Journalism Lab e o Nieman Reports e publicar esse material no Poder360. Para ter acesso a todas as traduções já publicadas, clique aqui.

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