Se alguém quiser fazer uma pesquisa sobre os métodos da Lava Jato e dos serviços de espionagem brasileiros é mais fácil encontrar documentos no FBI e no Departamento de Justiça dos Estados Unidos. Eles devem saber mais do que nós.
A revelação feita nesta segunda-feira no UOL pelo repórter Rogério Gentile, sobre o dossiê antifascista com mais de mil nomes produzido pelo deputado estadual bolsonarista Douglas Garcia (PTB-SP) é apenas mais um capítulo da joint-venture informal estabelecida entre os dois países.
Em depoimento à Justiça, Garcia informou, assim de passagem, como a coisa mais natural do mundo, ter entregue o dossiê ao deputado federal Eduardo Bolsonaro, o filho 03, que por sua vez o teria encaminhado à embaixada americana em Brasília.
Este dossiê é diferente do “relatório” do Ministério da Justiça, também revelado pelo UOL, com o nome de 579 servidores da segurança pública e professores, acusados de pertencer a um “movimento antifascista”, que provavelmente teve o mesmo destino.
“Antifascista” virou sinônimo de adversários políticos do governo que defendem a democracia e o Estado de Direito.
Na ditadura militar, eram chamados genericamente de “comunistas” e “terroristas”, assim como fazem os seguidores de Bolsonaro e Trump.
Como se trata de serviços secretos, não sabemos até hoje os nomes dos que estão nessas listas e de que são acusados.
Só ficamos sabendo do dossiê de Douglas Garcia porque na semana passada ele foi condenado a indenizar uma mulher, que teve seus dados incluídos na lista do deputado.
Cotado para ser nomeado embaixador nos EUA, no começo do governo do pai, Eduardo Bolsonaro tem estreita ligação com os órgãos de inteligência americanos, como faz questão de demonstrar sempre que pode.
Não ganhou a embaixada, mas está sempre disposto a colaborar com as relações familiares entre os dois países, tudo na maior informalidade, fora dos canais oficiais.
É mais ou menos como a colaboração do FBI com a Lava Jato, que teve início ainda em 2014, e foi fortalecida nos anos seguintes quando o foco da operação passou a ser a Petrobras e a Odebrecht.
A parceria rendeu bons frutos para os americanos, que receberam uma multa de US$ 93 milhões da Odebrecht, pagos à vista, em 2016.
Em 2018, a Petrobras pagou US$ 1,78 bilhão, a maior multa cobrada de uma empresa pelo Departamento de Justiça americano.
Parte dessa bolada a força-tarefa comandada por Moro & Dallagnol tentou empregar numa fundação de combate à corrupção em Curitiba, mas foi impedida pela Justiça.
Diálogos analisados em parceria pelo The Intercept com a Agência Pública na Vaza Jato, em reportagem de Natalia Viana e Rafael Neves, mostram que a equipe liderada por Deltan Dallagnol fez de tudo para facilitar a investigação dos americanos, a tal ponto que pode ter violado tratados internacionais e a lei brasileira.
“Os americanos não querem que divulguemos as coisas”, disse Dallagnol num bate papo com um assessor de comunicação, em 5 de outubro de 2015.
O entra e sai de agentes do FBI e do Departamento de Justiça (DoJ na sigla em inglês) no bunker de Curitiba deveria ficar longe dos olhos da imprensa que trabalhava em parceria com os justiceiros da Lava Jato.
“Com base em documentos da Vaza Jato entregues pelo The Intercept Brasil e apuração em fontes abertas, a Agência Pública localizou 12 nomes de agentes do FBI que investigaram os casos da Lava Jato, lado a lado com a PF e a força-tarefa”, informa a reportagem. “Segundo um ex-promotor do Departamento de Justiça americano contou, a presença de agentes do FBI no Brasil foi fundamental para o governo americano concluir suas investigações sobre corrupção de empresas brasileiras”.
Talvez seja esse o motivo da indignação dos procuradores de Curitiba, que resistem a abrir seus arquivos à Procuradoria-Geral da República, como quer Augusto Aras.
Em 1964, os arapongas americanos eram mais discretos e não me lembro de dossiês feitos por meros deputados estaduais amigos do filho do presidente.
Vida que segue.
RICARDO KOTSCHO ” BALAIO DO KOTSCHO” ( BRASIL)