A Organização Mundial da Saúde (OMS) alerta que não haverá solução mágica contra Covid-19 no Brasil, alerta o país precisará percorrer um “longo caminho” para sair da crise e sugere que as autoridades no país repensem suas estratégias se quiserem superar a pandemia. “A situação no Brasil continua sendo de grande preocupação, com muitos estados relatando muitos casos”, disse Mike Ryan, diretor de operações da OMS.
Citando os mais de 60 mil casos diários e mais de mil mortes, ele destaca que a transmissão continua intensa e alerta que “existem poucas rotas” hoje para sair da crise. Para Ryan, a primeira etapa precisa ser a de suprimir transmissão comunitária. “Isso só pode ser feito com uma parceira forte entre governo federal, estadual e comunidade”, defendeu o irlandês nesta segunda-feira, numa coletiva de imprensa em Genebra.
Sua avaliação é de que o governo, assim como em outros países, deve criar condições para impedir que o vírus se transmita e estabelecer uma “arquitetura de segurança”, detectar casos e criar uma situação em que a proliferação seja dificultada, principalmente em aglomerações. O especialista admite que isso é fácil de dizer e difícil de implementar.
Ryan, porém, deixa claro que rota para sair da situação será “longa” no Brasil e em outros países que vivem uma intensa transmissão e exigirá um “compromisso sustentável” por parte das lideranças. “Não há uma bala mágica (contra o vírus)”, insistiu.
Para o especialista, chegou o momento de alguns governos “darem um passo para atrás agora” e avaliar se de fato está fazendo tudo o que podem, politicamente, economicamente e em termos de saúde para suprimir o vírus. “Vai precisar apertar o botão de reset”, disse, numa alusão à reinicialização.
Maria Van Kerkhove, diretora técnica da OMS, também sugere que locais com maior número de casos recebam maior atenção e que não se espere por uma vacina. “Façam tudo”, disse, numa referência ao pacote de medidas de distanciamento social, teste e rastreamento.
Tedros Ghebreyesus, diretor-geral da OMS, também defendeu uma ação ampla. “Se fizermos tudo, podemos dar a volta. Nunca é tarde demais. Não devemos desistir. Tudo pode ser revertido”, disse, numa mensagem também ao governo brasileiro.
Talvez nunca haja uma “bala de prata”
A Organização Mundial da Saúde ainda alerta que, mesmo que a vacina seja uma esperança, a comunidade internacional não deve esperar que haja uma “bala de prata” contra a pandemia da Covid-19.
“O mundo nunca viu algo assim desde 1918 e o impacto será sentido por décadas. Mas o seu controle está em nossas mãos”, disse Tedros. A agência voltou a solicitar que governos atuem em todas as frentes, com testes, isolamento, distância, uso de máscaras e higiene, além de ampliação dos investimentos no setor de saúde. A ordem é a de não aguardar pela vacina. “Façam tudo”, implorou o diretor da agência.
Na sexta-feira, a OMS concluiu sua reunião do comitê de emergência com a constatação de que a pandemia será uma crise de “longa duração” e apresentou uma série de propostas a governos para que estabeleçam estratégias de longo prazo para lidar com a situação.
“A pandemia é uma crise sanitária que ocorre uma vez em cada século e os seus efeitos serão sentidos nas décadas seguintes”, disse o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus. Segundo ele, “muitos países que pensavam que o pior já tinha passado estão agora enfrentando novos surtos, outros que tinham sido menos afetados estão com aumentos de casos e de óbitos, enquanto países que tiveram grandes surtos conseguiram controlá-los”.
Segundo ele, alguns países têm ainda conseguido controlar os surtos, o que é um sinal positivo.
“Medidas estritas afetam a sociedade e economia. O comitê admite que escolhas são difíceis. Mas quando lideres assumem papel e trabalham com comunidade, é uma demonstração que pandemia pode ser controlada”, afirmou Tedros.
“Sabemos o caminho certo. O difícil é escolher seguir esse caminho”, disse Ryan, numa recado direcionado a governos que optam por não seguir as recomendações de cientistas.
Letalidade: uma morte a cada 200 casos
Citando estudos realizados pelo mundo, a OMS ainda indicou que novas pesquisas indicam que a taxa de letalidade pode ser de 0,6% dos casos de contaminação, muitos dos quais jamais são registrados. De acordo com a agência, a taxa pode parecer baixa. Mas, em comparação com outras doenças e pandemias, o índice é considerado como elevado.
“Em 2009, tivemos uma morte a cada 10 mil ou 100 mil. Agora, a taxa é de uma morte a cada 200 casos”, alertou Ryan. “Isso é enorme”, indicou Ryan, numa referência a surtos respiratórios na Ásia.
“Esse é o momento de solidariedade”, disse. Se a responsabilidade está com governos, ele defende que cada pessoa na comunidade analise sua exposição e seu comportamento. “Temos escolhas”, disse, apelando para uma redução na exposição desnecessária.
Para ele, parte do recado ainda vai para a parcela de jovens que, em diversos países, voltaram a sair a bares e restaurantes, retomando uma vida próxima aos padrões que existiam antes da pandemia. “Esse vírus é mortal”, insistiu.
Missão internacional para a China
A OMS ainda informou que a agência chegou a um acordo com o governo chinês para a formação de uma equipe internacional para investigar a origem do vírus. O time será formado por técnicos estrangeiros e chineses e atuará a partir de Wuhan para tentar entender como o vírus saltou dos animais para os humanos.
O assunto foi alvo de uma intensa negociação, diante da resistência de Pequim em permitir que a ação fosse estabelecida nos primeiros meses da pandemia.
Uma primeira missão da OMS chegou agora a um acordo com as autoridades chinesas sobre quais estudos serão realizados e de que forma atuarão.
Segundo Ryan, há um hiato importante na questão epidemiológica e não garantias de que os casos tenham origem em Wuhan. Mas a busca por respostas ocorrerá a partir dali, justamente por ter sido o local onde os primeiros registros oficiais apareceram.
JAMIL CHADE ” SITE DO UOL” ( BRASIL)