O BRASIL, AO CONTRÁRIO DE 40 PAÍSES, NUNCA TEVE ESTRATÉGIA NACIONAL PARA COMBATER O COVID-19

Professor Thomas Conti critica a falta de coordenação de esforços pelo Ministério da SaúdeArquivo Pessoal

Entrevista com Thomas Conti

Professor do Insper e do IDP

Quer home office até dezembro

‘Reabrir shopping preocupa’

‘Ir ao parque tem menos risco

Não ter 1 protocolo nacional de abertura com bandeiras que orientem municípios e Estados sobre o melhor momento de relaxar ou apertar restrições é uma das maiores falhas do Brasil no combate à pandemia de covid-19. Essa é a opinião do economista e professor do Insper Thomas Conti, que passou os últimos meses estudando experiências internacionais para lidar com a crise sanitária.

Conti, que também dá aulas no IDP, destaca o fato de que a estratégia nacional é uma característica comum aos mais de 40 países que conseguiram controlar a pandemia. Sem ela, afirma, as decisões podem ser tomadas de qualquer jeito. “Aí você terceiriza a responsabilidade de uma decisão de abertura por município e os municípios brasileiros são muito mal equipados. A maior parte deles não consegue analisar dados. Essas decisões estão sendo tomadas de qualquer jeito e sem se saber o que vai acontecer.

Conti, que tem feito análises sobre o tema em seu blog, menciona ainda a falta de critérios baseados em evidências para a reabertura. Diz que abertura de comércio de rua e ao ar livre deveria ser feita antes de shoppings, que estudos mostram risco muito baixo em ir a parques e recomenda manter o home office até o fim do ano para todos que puderem. Assista abaixo à entrevista que o professor concedeu ao Poder360 (37min19):

Poder360 destaca abaixo alguns trechos da entrevista :

Qual a sua avaliação sobre a forma como o Brasil lida com a pandemia?

O Brasil perdeu boa parte da vantagem que tinha de ter chegado aqui 1 pouco mais tarde que em outros lugares. Nós adotamos quarentena de média intensidade relativamente cedo. Era para que esse tempo de quarentena fosse utilizado para criar capacidade interna para que quando a gente começasse 1 processo de reabertura a gente tivesse as capacidades plenas que países que tiveram problemas antes que nós desenvolveram. Principalmente a ideia de testes e rastreios.

Você acha que temos testes insuficientes?

Com certeza. Na parte de testes, a gente está muito defasado. O Brasil é 1 dos países que menos testa no mundo. Boa parte desses casos identificados por dia que temos são com o que a gente chama de testes rápidos, que são testes de anticorpos. Não é a mesma coisa que o teste PCR, pelo qual você consegue identificar a infecção do vírus, que é mais rápido. Nossas estatísticas misturam 2 diagnósticos muito diferentes: gente que está pegando o vírus agora e gente que já teve o vírus em algum momento.

A parte de rastreio nós simplesmente não temos. Não houve nenhuma estratégia organizada, nenhum protocolo geral.

Como lidar com política pública sem esse tipo de informação?

Esse é 1 desafio que tínhamos claro em março. Ali, o ministro Mandetta já tinha dito que não teríamos capacidade de fazer testes suficientes. A partir daquele momento a gente tinha que ter adotado uma medida de contenção que não dependesse dos testes. Se a pessoa apresentou sintomas clássicos de covid-19, mesmo não tendo a resposta do teste ainda, a gente podia pelo menos ter feito 1 teste de rastreio retrospectivo, como fez o Japão.

Explique 1 pouco melhor como funciona o teste de rastreio.

Há várias formas de se fazer. Por exemplo, você aparece lá com os sintomas de covid-19, é testado positivo. O que aconteceria nos Estados Unidos ou na Alemanha ou na Coreia do Sul: vão tentar achar quem você entrou em contato nos últimos dias . Seus familiares, amigos, pessoas que você trabalhou. E quando há uma pessoa da sua rede de contato que pegou, que venha fazer teste, e daí as isola mais 14 dias.

No Japão, vão questionando a própria pessoa, com quem ela teve contato, até achar onde essa pessoa foi infectada. O que aconteceu no Japão é que eles identificaram focos de contágio. Começaram a perceber que em alguns lugares era de onde estava vindo a origem dos casos. Em geral lugares mais fechados que as pessoas ficavam expostas muito tempo, com baixa ventilação. E aí eles puderam atuar naqueles lugares que estavam gerando as novas infecções e frear 1 pouco o contágio.

Temos curvas ascendentes na maioria dos Estados e falta de testes. É a hora de fazer reabertura?

Algo que precisa ser discutido é a capacidade dos leitos de UTI. Pode ser uma variável mais interessante, dada a dificuldade de testes. É 1 critério-chave para não haver o pior cenário de colapso hospitalar. Qual é o nível e a margem de segurança que as UTIs têm, tomar isso como 1 dos critérios de decisão. Eu tomo como critério mínimo, tá?

Além disso, é preciso prioridades na reabertura. O que flexibilizar primeiro? O que a gente tem mais evidências internacionais é que em lugares abertos onde a interação entre as pessoas dura pouco tempo e em lugares que não geram uma aglomeração, o risco de contágio é muito menor. Então, é preciso identificar todas as atividades e serviços que têm essas características e pegar quais delas têm maior impacto econômico. Esse seria 1 bom critério de reabertura porque assim você não tá arriscando muitas pessoas e você tem 1 retorno bom. O exemplo máximo oposto que eu consigo pensar disso é começar uma reabertura pensando em abrir templos religiosos. É 1 espaço fechado, onde as pessoas vão ficar lá muito tempo e vão falar alto. Além disso, não tem impacto econômico grande.

E a reabertura de shoppings?

Fico bastante preocupado com essa parte. Do que vi de exemplos internacionais, eles priorizaram lojas de rua mais do que shopping center. Nesses espaços mais fechados, adotaram novas regras sanitárias principalmente a respeito de ar condicionado. Uma coisa é ter 1 shopping center que as pessoas ficam circulando lá por 8 horas o dia inteiro e outra coisa é ter 1 shopping em que você fala para os consumidores ficarem no máximo 30 minutos. Fico bastante preocupado com essa questão de o shopping ter se mostrado como algo prioritário, principalmente pela questão do manejo de ar condicionado, que já deu problemas na Coreia do sul e na China.

Há uma dificuldade de se medir mobilidade e isolamento no Brasil. Como você enxerga a possibilidade de lockdown?

Desde o fim de março tenho sido muito crítico a essa medida de medir taxa de isolamento. Acho que a variável é, basicamente, inútil. Ela é feita a partir de antenas de celular, algo que a gente só tem aqui no Brasil, então a gente não consegue comparar com experiências internacionais. O Google tem métricas que são padronizadas, e que a gente poderia usar para isso, mas essa que a gente usa… Sempre que o Governo de São Paulo falava que tinha de chegar naquela meta de 70% do isolamento, eles nunca disseram de onde veio isso. Que eu saiba, não existe nenhum modelo que tem estimado isso. E estão calculando com base só no celular. Então se eu saio de casa e dou uma volta inteira na cidade sem estar a 5 metros de distância de todas as pessoas e usando máscara ele vai dar que eu desrespeitei isolamento. Se uma pessoa entrar aqui no ônibus com outras 20 e nenhuma de máscara, mas faz 1 trajeto curto, ele vai falar que teve mais adesão porque a pessoa andou pouco.

Um dado que não se calcula direito no Brasil é a taxa de reprodução do vírus, o famigerado número R. Outros países, como a Alemanha, usaram isso para basear a sua reabertura. Como podemos reabrir aqui sem ter essa informação?

É muito triste que o Brasil não tenha esse número vindo de uma equipe epidemiológica oficial, como nos Estados Unidos e em vários outros países. Mesmo quando o Ministério da Saúde estava divulgando os dados tudo certinho, nunca se preocupou em fornecer uma estimativa dessas por Estado. Eu acompanho o trabalho do Perrone, que é cientista de dados, e ele tem 1 site que ele atualiza todo dia com estimativas dessas. O que a gente vê é que praticamente todos os Estados não conseguiram colocar esse número abaixo de 1 [o dado se refere à quantidade de pessoas que cada infectado contamina, em média, antes de se curar]. Esse é o critério decisivo. Tanto faz a taxa de isolamento se ela não é suficiente para que esse número caia para abaixo de 1. É triste que a gente não tenha essa referência oficial, mas é possível calcular. As evidências é de que a pandemia continua fora de controle na maior parte dos Estados. Em vários Estados, no entanto, está perto de 1.

Quais são esses Estados?

O dado mais atual que tenho é que 6 Estados tinham conseguido pontualmente colocar esse número abaixo de 1: Rio Grande do Sul, Tocantins, Rio de Janeiro, Ceará, Pernambuco, Amazonas e Rio Grande do Norte. Mas se pegar a série histórica, não tem nenhum Estado que a gente possa apontar e falar ‘olha, esse aqui com certeza tá estável, tem x dias que ficou abaixo de 1’.

Portanto, se adotarmos o critério de outros países, não haveria evidência suficiente pra fazer uma reabertura muito forte em nenhum Estado?

Acredito que não existiria base para defender que isso é seguro agora. O que seria possível pensar, seria uma reavaliação do que está sendo fechado e o que que tá sendo proibido. Por exemplo, ainda vejo muitas pessoas absolutamente paranóicas com caminhadas na rua e exercícios ao ar livre. É algo perfeitamente seguro de se fazer com máscaras e respeitando uma distância de 2 a 3 metros. Claro que se você está saindo, está se arriscando, mas o risco é muito baixo de acordo com os estudos que a gente tem. Acho que é preciso uma reavaliação de alguns desses critérios e também avaliar a situação em diferentes municípios.

Se a gente tem protocolos e divisão de nível de risco, sistema de alertas de risco para diferentes lugares, é possível pensar não em uma abertura geral e rápida, mas é possível pensar em dar alguns sinais de algumas vitórias pontuais e alguns alívios para a população. Senão as pessoas vão ficando cada vez mais insatisfeitas com o isolamento. Aí corre o perigo de acontecer como aconteceu em Belém, de hospitais praticamente colapsando, precisaram adotar uma medida de lockdown mais forte e não teve efeito nenhum porque as pessoas simplesmente não respeitaram.

A disputa entre governo federal e Estados e uma falta de protocolos mais específicos do Ministério da Saúde atrapalham? Cria ruído?

O que a gente tem é puro ruído porque não foi feito o protocolo nacional. Já são mais de 40 países que conseguiram controlar a pandemia. O que todos eles têm em comum? Tiveram estratégia nacional com coordenação e esforços conjuntos. A dificuldade que a gente tem agora é que você não tem esse sistema de bandeiras e de alertas nacional. A gente esperaria que o sistema nacional teria contribuições dos maiores especialistas e seria montado com critérios robustos. Mas a gente não tem. Os Estados poderiam pensar num sistema desse e aí fazer 1 acordo à revelia do governo federal, mas não foi feito. Cada Estado começa a criar o seu sistema de bandeiras. E aí você terceiriza a responsabilidade de uma decisão de abertura por município e os municípios brasileiros são muito mal equipados. A maior parte deles não consegue analisar dados. Essas decisões estão sendo tomadas de qualquer jeito e sem saber o que vai acontecer.

Você citou que há medidas de restrição que faria sentido relaxar e outras que deveríamos ser mais rigorosos. Pode citar exemplos?

Na Áustria e na Alemanha, eles diferenciaram restaurantes, bares e cafeterias que servem do lado de fora e priorizaram eles [na reabertura]. Aí fica mais seguro, tem mais circulação de ar. Algo que eu fico muito surpreso de a gente não ter feito ainda é uma recomendação de home office. Não preciso ter uma lei proibindo de ir presencialmente, mas a gente poderia ter uma recomendação pública de manter esse teletrabalho em todas as atividades que forem possíveis até o fim do ano. Outros países fizeram isso. Se a pessoa já pode fazer o trabalho à distância, por que você vai reabrir agora esses escritórios? Não faz muito sentido se você pode fazer com que essa pessoa não se exponha ao transporte público e não fique no espaço fechado o dia inteiro.

THIAGO MALI ” BLOG PODER 360″ ( BRASIL)

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