Numa reunião no começo do seu governo, em Washington, com líderes da extrema-direita americana, Jair Bolsonaro anunciou que precisava destruir muita coisa no Brasil antes de começar a erguer um novo país.
A primeira parte da promessa, ele está cumprindo, mas a segunda ainda não tem data para começar.
Já destruiu boa parte da Amazônia, dos direitos trabalhistas e previdenciários, dos empregos e dos salários, da indústria nacional, das redes de educação e saúde públicas, dos alicerces do Estado de Direito e da imagem do Brasil no exterior.
A economia já estava em pandarecos antes da pandemia do coronavírus e, agora, Bolsonaro avança com sua tropa de ocupação no Ministério da Saúde, entregue a um general interino em plena pandemia do coronavírus, que mata um brasileiro por minuto.
Depois de aparelhar a Procuradoria-Geral da República e a Polícia Federal, só está esperando abrir uma vaga no Supremo Tribunal Federal para nomear um ministro “terrivelmente evangélico”.
Sem partido e com o sistema partidário em colapso, alugou uma base parlamentar de emergência com o Centrão para enfrentar um possível processo de impeachment, cada vez mais provável.
Durante toda a semana, Bolsonaro voltou suas baterias aos movimentos antifascistas da sociedade civil, que começaram a se organizar e ir às ruas no último domingo, para denunciar a escalada autoritária do governo, na tentativa de criar um clima de guerra. Fez um apelo às Polícias Militares para que “cumpram seu papel” e ameaçou convocar a Força Nacional.
Até então, só os devotos da seita bolsonarista ocupavam a praça dos Três Poderes nos fins de semana, em atos pró-governo, contra o STF e o Congresso, que pediam intervenção militar, prestigiados pelo próprio presidente e alguns dos seus generais.
Acuado por processos no Judiciário, com a popularidade em queda e o combate à pandemia fora de controle, Bolsonaro correu para buscar apoio nos quartéis, que já cederam mais de 3 mil militares ao governo.
O que ele busca agora é o confronto nas ruas para justificar o fechamento do regime. Em sua live semanal, o presidente alertou seus seguidores para não irem às ruas neste domingo, mas esta pode ser só mais uma estratégia para justificar a repressão.
“Vamos ficar ligados que esse pessoal dos antifas (os movimentos antifascistas), o novo nome dos black blocs, quer roubar a tua liberdade”.
Nesta sexta-feira, durante a inauguração do primeiro hospital de campanha do governo federal, que já estava pronto há 40 dias, em Águas Lindas, Goiás, o presidente acusou os opositores de quererem “quebrar o Brasil em nome de uma democracia que eles nunca souberam o que é e nunca zelaram por ela”.
Quem está querendo roubar a liberdade e quebrar o Brasil, presidente Bolsonaro?
Segundo ele, são “grupos de marginais, terroristas, maconheiros, desocupados”, que estão programando as manifestações de protesto contra o governo no domingo, em defesa, justamente, da democracia ameaçada por Bolsonaro, desde que tomou posse, faz um ano e meio.
Ou seja, são todos os brasileiros que não apoiam a destruição do país, cerca de 70% do eleitorado, segundo a última pesquisa do Datafolha.
Na democracia do novo Brasil bolsonarista, não cabem partidos nem movimentos de oposição, que só servem para atrapalhar os planos de Paulo Guedes para rifar o que resta de patrimônio nacional.
Embora grupos de “patriotas de verde e amarelo” também estejam se organizando para ir às ruas em Brasília e São Paulo, Bolsonaro já sabe a quem culpar por possíveis conflitos, como falou em Águas Lindas:
“Estamos assistindo agora grupos de marginais, terroristas, querendo se movimentar para quebrar o Brasil”.
Na pressa para subir ao palanque hospitalar, Bolsonaro escorregou e caiu na lama da obra, mas se levantou logo, pronto para a guerra anunciada.
Vida que segue.
RICARDO KOTSCHO ” BALAIO DO KOTSCHO” ( BRASIL)