Em “entrevista” para seus devotos — ele não fala mais com a imprensa — em frente ao Alvorada, o presidente Jair Bolsonaro chamou de “marginais e terroristas” os grupos antifascistas que marcaram protestos contra seu governo para o próximo domingo, em todo o país.
Nem original ele foi. Usou os mesmos adjetivos empregados por Donald Trump para classificar os manifestantes dos protestos contra o racismo e a violência policial nos Estados Unidos.
Era assim também que os generais da ditadura militar chamavam os opositores do regime.
Mas se alguém quiser saber quem é o terrorista nesta história recomendo uma rápida pesquisa sobre a breve passagem de Bolsonaro pelo Exército, que o aposentou como capitão, quando tinha apenas 33 anos.
Reportagem do meu colega Rubens Valente, agora nosso vizinho aqui no UOL, publicada na Folha em maio de 2017, com base em documentos obtidos no STM (Superior Tribunal Militar), relata:
“O então capitão foi acusado por cinco irregularidades e teve que responder a um Conselho de Justificação, uma espécie de inquérito, formado por três coronéis.
Ele foi considerado culpado pelos coronéis, mas absolvido depois em recurso acolhido por ministros do STM, por 8 votos a 4.
O processo tinha dois objetos: um artigo que ele escreveu em 1986 para a revista Veja para pedir aumento salarial para a tropa, sem consulta aos seus superiores, e a afirmação, meses depois, pela mesma publicação, de que ele e outro oficial haviam elaborado um plano para explodir bombas-relógio em unidades militares do Rio”.
Pelo artigo publicado na revista, Bolsonaro foi punido com 15 dias de prisão. De acordo com o documento assinado pelos três coronéis, Bolsonaro “revelou comportamento aético e incompatível com o pundonor militar e o decoro da classe ao passar à imprensa informações sobre sua instituição”.
O plano terrorista, chamado de “Beco sem Saída”, previa uma série de explosões, inclusive na adutora do Guandu, conforme esboços atribuídos a Bolsonaro publicados pela Veja. Na reportagem, o capitão alegou que haveria “só a explosão de algumas espoletas” e ensinava como fazer uma bomba relógio.
“Nosso Exército é uma vergonha nacional, e o ministro está se saindo como um segundo Pinochet”, afirmou Bolsonaro.
O alvo de Bolsonaro era o ministro e general Leonidas Pires Gonçalves, que determinou uma investigação ao detectar um movimento para desestabilizar a cadeia de comando.
Perícia da Polícia Federal concluiu que as anotações sobre os locais onde as bombas deveriam explodir eram de Bolsonaro, mas ele negou a autoria de qualquer plano de bombas e apresentou dois exames grafotécnicos inconclusos.
“O Justificante (Bolsonaro) mentiu durante todo o processo, quando negou a autoria dos esboços publicados na revista Veja, como comprovam os laudos periciais”, escreveram os coronéis que o condenaram por unanimidade.
Em 1987, Bolsonaro admitiu ter cometido atos de indisciplina e deslealdade para com seus superiores no Exército. Mesmo assim, seria absolvido pelo STM, e em seguida daria início à sua carreira política.
Pergunto: de que atos terroristas foram acusados até agora os grupos antifascistas que protestam contra o governo Bolsonaro? Existe alguma investigação? Há provas? Ou essa é apenas mais uma fake news, uma cortina de fumaça lançada pelo “gabinete do ódio”?
Bolsonaro já havia recomendado a seus seguidores na segunda-feira que eles não deveriam ir às ruas de Brasília, como fazem todos os domingos, porque já estava marcado um ato contra o fascismo.
Como as Polícias Militares dos estados obedecem mais às ordens de Bolsonaro do que aos governadores, os ataques de hoje aos opositores do governo podem abrir caminho para justificar antecipadamente a repressão aos movimentos.
Bolsonaro não costuma dar ponto sem nó.
Vida que segue.
RICARDO KOTSCHO ” BALAIO DO KOTSCHO” ( BRASIL)