BARULHO POR CELULAR É FARSA; QUER ILUSÃO DE VITÓRIA. MACHADO PARA BOLSONARO

A nota do general Augusto Heleno e a bravata de Jair Bolsonaro em seu destampatório depois da divulgação do vídeo constituem duas maneiras de declarar vitória quando estão perdendo o jogo. Explico.

Ao pé letra, a nota de Heleno ameaça com golpe. Nem seria tão difícil de dar o dito-cujo, caso houvesse consenso nas Forças Armadas. Não há. A dificuldade mesmo estaria em mantê-lo. Eles não conseguem organizar um plano para enfrentar o coronavírus, e não há consenso no próprio governo sobre o rumo econômico a tomar. Ou alguém acha que os militares acreditaram no palavrório de Paulo Guedes?

Sair dando tiro, prendendo e arrebentando, havendo soldadesca disposta e armas, bem, isso é relativamente fácil. A questão é governar depois. Quanto tempo duraria a aventura? O destino dos golpistas seria a cadeia. Ou juntar os corpos da guerra civil aos das vítimas da Covid-19.

O que está em pauta é outra coisa: uma tática de intimidação do Supremo.

Bolsonaro e Heleno sabem que estão, no caso do telefone, fazendo tempestade em copo d’água. O pedido para recolher o celular do presidente foi feito por deputados da oposição. É uma petição como qualquer outra. A obrigação do ministro do Supremo é encaminhar à Procuradoria Geral da República.

Eu estou entre aqueles, por exemplo, que avaliam, e já escrevi isso aqui e disse no rádio, que o pedido não procede com o que se tem até agora.

É certo que Augusto Aras vai opinar que o pedido é descabido. Aliás, imprudente, como sempre, Bolsonaro diz ter a certeza de que será essa a opinião do procurador. Faz parecer que uma decisão de caráter técnico é um arranjo.

Como certamente já lhe disseram que Mello dificilmente mandaria recolher seu celular, quer fazer parecer, de novo, que uma decisão técnica corresponde a um recuo do ministro, para que suas milícias digitais possam gritar: “Ficou com medo, ficou com medo!!!”

Basta esse joguinho vulgar para desqualificar essa gente toda no trato com a institucionalidade.

Sim, é evidente que se trata de uma tática para intimidar o Supremo. E não! Eu não acho que Mello, agora, deva, então, mandar recolher o celular só para mostrar quem manda. Tanto quanto possível, tem de esquecer a gritaria e decidir segundo a razoabilidade.

Para a investigação que está em curso no Supremo, o recolhimento do celular não se mostra, parece-me, necessário. Até porque a reunião revelou coisas muito mais graves. A intervenção ilegal na polícia federal, como resta claro, não fica caracterizada na reunião. O que se tem é a determinação de intervir em tudo, também na PF.

Estupidamente grave, reitero, é a confissão de que o presidente quer armar a população pensando num futuro confronto de natureza política. E a admissão, pelo presidente, de que ele tem um sistema particular de inteligência.

Quem sairá mal no retrato é Augusto Aras. Aposta que vai fazer de conta que nada aconteceu. Afinal, ele tinha com ele esse conteúdo e opinou que deveria permanecer em sigilo. Ele tentou escondê-lo da opinião pública.

Imagino Lula ou Dilma a fazer uma declaração com esse conteúdo. Ou o contrário disso: imaginem os petistas a dizer, na fase de implementação, que o Estatuto do Desarmamento buscava tirar armas do povo para ficar mais fácil implementar uma agenda política.

Isso é o que os paranoicos dizem sobre o Estatuto, mas nunca foi uma confissão.

Pois Bolsonaro confessou: suas portarias sobre armas têm um horizonte político. Afinal, como ele diz, “a liberdade é mais importante do que a vida”.

MACHADO DE ASSIS
Ai, ai… Citarei Machado de Assis num texto que trata de Bolsonaro e do general Heleno. É para elevar o debate. No romance “Esaú e Jacó”, o enterro de Flora, disputada ferrenhamente pelos gêmeos Pedro e Paulo — moralmente, eles a mataram –, se dá durante a decretação do estado de sítio pelo presidente Floriano Peixoto.

E o estupendo Machado escreve:
“Não há novidade nos enterros. Aquele teve a circunstância de percorrer as ruas em estado de sítio. Bem pensado, a morte não é outra coisa mais que uma cessação da liberdade de viver, cessação perpétua, ao passo que o decreto daquele dia valeu só por 72 horas. Ao cabo de 72 horas, todas as liberdades seriam restauradas, menos a de reviver. Quem morreu, morreu. Era o caso de Flora; mas que crime teria cometido aquela moça, além do de viver, e porventura o de amar, não se sabe a quem, mas amar? Perdoai estas perguntas obscuras, que se não ajustam, antes se contrariam. A razão é que não recordo este óbito sem pena, e ainda trago o enterro à vista…”

Com o seu “liberalismo de baioneta”, é evidente que Bolsonaro não saberá o tamanho da asneira que é opor a vida à liberdade. Quando se luta por liberdade, ARRISCANDO A VIDA (ISSO É OUTRA COISA), o que se quer é uma vida livre, não uma liberdade que vague sem corpo. Porque isso não existe.

Daí que Machado escreva: “A morte é a cessação da liberdade de viver”. Sem vida, presidente, então se é livre para quê?

Mas, claro!, essa é uma pergunta feita por quem preza a vida.

Naquele dia 22, o da reunião macabra, já haviam morrido três mil pessoas. E havia 46 mil contaminados.

Não houve uma só palavra, de ninguém!, que denotasse solidariedade, empatia ou dor.

Um mês depois, doentes e cadáveres foram multiplicados por sete. E eles todos continuam a não dar a mínima para a “cessação da liberdade de viver”.

Estão ocupados em ameaçar o país com golpe de estado.

A história não lhes será leve.

REINALDO AZEVEDO ” SITE DO UOL” ( BRASIL)

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