Como se tivessem combinado, na reunião virtual da manhã desta quinta-feira, Bolsonaro e os governadores não tocaram em duas palavras que já geraram muito conflito: cloroquina e quarentena.
Um presidente sóbrio e compenetrado, pesando bem as palavras e falando pouco, nem lembrava a figura beligerante de outros encontros.
Ainda na semana passada, em outra live, ele convocou os empresários paulistas a irem à guerra contra os governadores que insistiam no isolamento social para salvar vidas.
Hoje, até agradeceu as palavras de João Doria no final da reunião, que foi breve, só para sacramentar a ajuda de R$ 60 bilhões a estados e municípios. Não houve debate.
Contribuiu para isso a atuação dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre, que apararam todas as arestas na véspera para que Bolsonaro pudesse vetar sem problemas a parte sobre congelamento de salários de funcionários públicos.
Desde sábado, quando foi publicada a reportagem de Monica Bergamo, na Folha, com as revelações feitas por Paulo Marinho sobre vazamento de informações da Polícia Federal para a família Bolsonaro, o presidente não falou mais com jornalistas. Não quer nem tocar no assunto.
Acuado pelas denúncias de Sergio Moro investigadas no STF e outras acusações contra ele e seus filhos, Bolsonaro baixou a bola e agora só fala com os devotos do “cercadinho” do Alvorada, ignorando a imprensa.
Logo cedo, porém, antes da reunião com os governadores, costurada pelos generais Braga Netto e Luiz Ramos, o presidente quase colocou tudo a perder ao atacar as “autoridades estaduais” para o grupo de apoiadores.
“Imaginem uma pessoa do nível dessas autoridades estaduais na Presidência da República. O que já teria acontecido com o Brasil? Vocês vão ter que sentir um pouco mais na pele quem são essas pessoas para, juntos, a gente mudar o Brasil. Mudar à luz da Constituição, da lei, da ordem”.
Os governadores devem ter fingido que não ouviram isso porque estavam mais preocupados em conseguir logo a ajuda federal que só depende da assinatura de Bolsonaro.
Mas isso certamente não ajuda a pacificar a relação com os estados, e com os outros poderes, como querem os generais da articulação política.
Davi Alcolumbre se empolgou com a própria voz e fez um discurso para comemorar a “reunião histórica” num clima “de paz de harmonia”.
De uns tempos para cá, Bolsonaro sempre repete que fará tudo à luz da Constituição e da lei, depois que sua participação em atos anti-democráticos contra o Congresso e o STF levou a PGR a abrir um inquérito, que está com o ministro Alexandre de Moraes.
Na mesma linha, o general Augusto Heleno disse hoje numa video-conferência que não existe possibilidade de golpe, intervenção militar ou da instalação de uma ditadura no Brasil antes mesmo que lhe perguntassem. A democracia agradece.
Golpe para quê?, afinal, se os militares já estão tomando conta até do Ministério da Saúde e ocupam postos chave em todo o governo, a começar pelo Palácio do Planalto.
Para não variar, Heleno criticou a imprensa, principalmente as TVs.
“A gente mexe pra lá, mexe pra cá, zapeia, e acaba vendo Animal Planet. Chega a um ponto em que não dá, melhor ver suricado e leão atacando veadinho na floresta”.
Como acontecia durante a ditadura militar instaurada em 1964, os militares só gostam de notícias que falem bem do governo e mostrem as coisas boas que estão acontecendo.
Contra as más notícias da vida real, Heleno lembrou que o governo “já tem um instrumento, que são as redes sociais”.
Até as seis da tarde, parecia que o país estava vivendo uma breve trégua, à espera do vídeo da reunião ministerial, que deve ser liberado pelo ministro Celso de Mello até amanhã, na íntegra ou em partes.
Vida que segue.
RICARDO KOTSCHO ” BALAIO DO KOTSCHO” ( BRASIL)