Contradição é da retórica do presidente
Comunicação de Bolsonaro não é linear
Ambiguidade do discurso é intencional
Os discursos do presidente Jair Bolsonaro são pendulares. Em um dia, ele diz que aqueles que fossem aos atos pró-governo para defender o fechamento do STF e do Congresso estariam “na manifestação errada”.
Durante as manifestações do domingo, repletas de ataques e pedidos de prisão do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, Bolsonaro preferiu destacar o “caráter democrático” dos atos. No domingo de manhã, o presidente definiu as aglomerações sendo contra “para aqueles que, com suas velhas práticas, não deixam que o povo se liberte”.
À noite, para a TV Record, ele anunciou que irá procurar Maia e o presidente do STF, Dias Toffoli, para “um pacto entre nós pelo Brasil”, mas também que “Centrão virou palavrão”, se referindo ao grupamento de 200 deputados essenciais para aprovar até nome de rua.
A dinâmica da retórica bolsonarista não é exclusividade do seu embate com a “velha política”. Semanas atrás, o presidente assumiu um acordo com o ex-juiz Sergio Moro para nomeá-lo ministro do STF. “Fiz um compromisso com ele, porque ele abriu mão de 22 anos de magistratura. Eu falei: ‘A primeira vaga que estiver lá está a sua disposição. Então, o Moro, eu vou honrar esse compromisso com ele”, disse Bolsonaro à Rádio Bandeirantes.
Dias depois, diante da repercussão negativa, recontou a história em uma transmissão no Facebook: “Quem me acompanhou ao longo de quatro anos, sabe que eu falava que precisamos de alguém no Supremo com o perfil de Moro. Não teve nenhum acordo, nada, ninguém nunca me viu com Moro (antes da eleição)”, afirmou.
Com o ministro Paulo Guedes é pior. Bolsonaro cansou de elogiar e reforçar sua confiança no ministro, ao mesmo tempo em que defendeu idade mínima de aposentadoria para mulheres abaixo do previsto na reforma da previdência, tentou intervir nos preços dos combustíveis e anunciou uma correção na tabela do imposto de renda.
As três ideias não haviam sido conversadas previamente com Guedes, foram descartadas cautelosamente pelo Ministério da Economia, mas revelavam um presidente não convencido da agenda liberal do seu ministro.
São inúmeros os exemplos das idas-e-vindas das declarações e atos de Bolsonaro. Ele anunciou a mudança da embaixada brasileira em Israel para Jerusalém, depois se contentou com um escritório diplomático e, por fim, deixou entreaberta a porta da transferência ser feita mais à frente.
Criticou duramente a China na campanha e depois confirmou uma viagem oficial a Pequim para agosto. Foi dúbio na possibilidade de apoiar o uso de território brasileiro para uma invasão da Venezuela para, depois de a hipótese ser rechaçada pelos militares, negar a possibilidade de intervenção brasileira.
Por repetidas vezes, Bolsonaro enalteceu a presença dos ministros militares no governo enquanto simultaneamente condescendia com os ataques pessoais de Olavo de Carvalho aos generais Hamilton Mourão e Santos Cruz.
Fosse outro o presidente que não Jair Bolsonaro seria possível concluir se tratar de um líder inseguro, fraco e volúvel. Mas não Bolsonaro. A ambiguidade do discurso presidencial é intencional, faz parte da construção do personagem de um homem sincero que chegou ao cargo mais alto do País.
É um método que vem desde os tempos nos quais o então deputado só tinha espaço em programas como o Superpop, CQC e Pânico na TV. Para ser chamado e garantir audiência nos programas, Bolsonaro cruzava fácil a fronteira do politicamente correto e exibia com orgulho teses de homofobia, racismo e misoginia.
Na campanha de 2018, perguntado por um executivo de banco sobre essas opiniões, Bolsonaro respondeu rindo “eu falava aquilo para chamar atenção. Ninguém ia olhar para mim se eu não fosse polêmico. Mas fora da TV eu sou outro”. O executivo acreditou e se tornou um defensor público do candidato.
Uma vez presidente, Bolsonaro manteve sua comunicação do “não é bem assim”. Toda vez que é confrontado com uma declaração polêmica, o presidente se diz mal compreendido e culpa a imprensa por distorcer suas palavras. É um método.
Na sexta-feira, 24, ao saber que Paulo Guedes havia ameaçado deixar o governo caso a reforma não fosse aprovada, Bolsonaro disse “é um direito dele, ninguém é obrigado a continuar como ministro meu”. Horas depois tuitou, “peço desculpas por frustrar a tentativa de parte da mídia de criar um virtual atrito entre eu e Paulo Guedes. Nosso casamento segue mais forte que nunca kkkkk”.
A capacidade de dizer, se desdizer e culpar os outros por não entenderem a mensagem não é exclusividade bolsonariana. O presidente americano Donald Trump vive se contradizendo e em muitos casos os dois usam uma tática peculiar de fazer política.
O primeiro impulso, em geral, se dirige ao núcleo de seus apoiadores históricos, aqueles que consideram chocante um vídeo obsceno de carnaval e que os estudantes protestantes do dia 15 eram “idiotas úteis”. Só depois da polêmica posta, há o recuo. Os estudantes se tornaram “inocentes úteis” e o vídeo divulgado pelo perfil oficial no twitter “não foi uma crítica genérica ao carnaval”. Assim, Bolsonaro agrada seu eleitorado hard-core para depois amenizar seu discurso para os militantes moderados.
Há muito de estratégia em algumas das ambiguidades. Ao revelar suas divergências com a agenda de Guedes, o presidente mostra que no fundo o seu coração está compromissado com as mulheres prestes a se aposentar, os caminhoneiros com orçamento estourado pela alta do diesel e a classe média espremida pelos impostos.
Lógico que, sim, ele apoia e entende os argumentos de Guedes, mas a sua sensibilidade popular está com o povão. Com Sergio Moro, o subtexto foi ardiloso. O ministro que havia vazado a sua irritação com o decreto armamentista e a falta de apoio presidencial ao pacote anticrime viu-se amarrado ao destino de Bolsonaro.
A comunicação do presidente não é linear e isso confunde seus aliados e adversários. As contradições, as provocações e os exageros fazem parte da natureza de Bolsonaro e não há nenhuma perspectiva de que ele vá mudar.
THOMAS TRAUMANN ” BLOG PODER 360″ ( BRASIL)
Thomas Traumann, 51 anos, é jornalista, consultor de comunicação e autor do livro “O Pior Emprego do Mundo”, sobre ministros da Fazenda e crises econômicas. Trabalhou nas redações da Folha de S. Paulo, Veja e Época, foi diretor das empresas de comunicação corporativa Llorente&Cuenca e FSB.