
A capital do Reino da Holanda é Amsterdam – como aprendemos. Mas, a rigor, a verdadeira metrópole do país é Haia, onde se encontra o Palácio Real Noordeinde, do qual despacha o soberano da Casa de Orange-Nassau, Rei Guilherme Alexandre, de 53 anos, bem como funciona a sede do governo e as duas câmaras do parlamento. É lá também que está o Tribunal Internacional de Justiça da Organização das Nações Unidas (ONU), instalado no Palácio da Paz, e o Tribunal Penal Internacional.
O curioso é que dois dos maiores vultos da História do Brasil estão profundamente ligados à cidade da Holanda, que, a propósito, desde 1º de janeiro deste 2020, marcado até agora pela maldita pandemia do Coronavírus, passou a se denominar, oficialmente, Países Baixos – e. em inglês, Netherlands, e não mais Holland.
Um deles é o baiano soteropolitano Ruy Barbosa (1849 – 1923), neto de português do Porto, que ganharia notoriedade mundial, em junho de 1907, na Conferência de Haia, ao bater-se, com sucesso, pelo estabelecimento de uma Corte de Justiça Internacional Permanente, embrião da ONU, na qual todos os países participantes teriam voto igual.
Orador eloquente, Barbosa, que era advogado, jornalista, político rebelde e grande estudioso do idioma camoniano, para além do inglês, voltaria coberto de glórias ao Rio de Janeiro, então Distrito Federal, onde o Ministro das Relações Exteriores, José Maria da Silva Paranhos Júnior (1845 – 1912), o Barão do Rio Branco, mentor da diplomacia brasileira, lhe daria o epíteto de A Águia de Haia.
O outro personagem da historiografia nacional, o Príncipe Maurício de Nassau (1604 – 1679), fidalgo da dinastia de Orange-Nassau, natural da alemã Dilenburg, governou o Nordeste brasileiro, de 1637 a 1644, com espírito iluminista, abrangendo extensas áreas de Alagoas ao Maranhão.
O palácio que Maurício de Nassau mandou erigir em Haia, enquanto esteve no Nordeste, a Mauritshuis, ou seja, em holandês, literalmente, a Casa de Maurício, é, nos nossos dias, o principal museu da cidade, com o título de Real Gabinete de Pinturas. Foto contemporânea da fachada da Mauritshuis ilustra a coluna.
Estão expostas, ali, valiosas obras de mestres da Escola Flamenga, dentre os quais, destacam-se quadros de Rembrandt (1606 – 1669), como a célebre “Lição de Anatomia”, dois portraits de Rubens (1577 – 1640), “Moça com Brinco de Pérola”, de Jan Vermeer (1632 – 1675) e “Retrato de um Homem”, de Hans Memling (1430/1440 – 1495).
A ‘presença brasileira’ se percebe nos trabalhos de Albert Eckhout (1610 – 1666) e Frans Post (1612 – 1680), que registraram a corte nassaviana de Recife. Nassau foi, acima de tudo, um visionário. Como, de uma certa maneira, o baiano de Haia, ao vislumbrar, nos Países Baixos, o momento e a hora exata para lançar as bases igualitárias, entre os países, na futura ONU, quando as três potências militares da época, Inglaterra, Alemanha e Estados Unidos, pregavam o que se transformaria no Conselho de Segurança da entidade – composto hoje por Estados Unidos, Rússia, China, Inglaterra e França.
Já o Príncipe de Nassau, cognominado O Brasileiro, levantou na capital pernambucana dois soberbos palácios: o de Vrijburg, isto é, Friburgo, agora Palácio da Justiça, diante do Campo das Princesas, sede do Executivo de Pernambuco, e o da Boa Vista, atualmente, Convento do Carmo. Também criou jardins e um zoológico às margens do Rio Capibaribe. Ergueu ainda as duas primeiras pontes das Américas e construiu uma rede de água encanada e de esgoto.
Liberal e grandioso, conforme é apresentado por seus biógrafos brasileiros e neerlandeses, tratava com cordialidade seus súditos no Nordeste. Fossem eles holandeses, portugueses, indígenas, africanos ou judeus. Estes, quase todos, de origem lusitana, provenientes do bairro amsterdamês de Vlooeinburg, reduto da comunidade judaica expulsa de Portugal, em 1496, pelo Venturoso Dom Manuel I (1469 – 1521).
Foi o protestante calvinista Nassau que autorizou a edificação da primeira sinagoga do Novo Mundo, à Rua dos Judeus, no centro histórico de Recife, a Mauritsstadt, a Cidade Maurícia, assim chamada em reverência ao mecenas dos trópicos. Barbosa e Nassau são duas águias consagradas em Haia e Recife.
ALBINO CASTRO ” PORTUGAL EM FOCO” ( BRASIL / PORTUGAL)
Albino Castro é jornalista e historiador