Esse é um assunto que não tem fim.
Escrever histórias sobre bêbados já preencheu laudas e mais laudas, no tempo em que se contava o espaço em laudas de papel e ainda preencherá megas, gigas e teras de espaços futuros.
E por motivos dos mais simples: são história humanas e engraçadas. Mais: provavelmente todos têm uma história parecida para contar.
Mas levar bêbado em casa costuma ser ou causar problema.
Dizem que certa vez um motorista de táxi (a história é antiga, antes do Uber) levava três bêbados para suas respectivas casas com o dia já raiando.
Parou no primeiro dos três endereços e como os três bêbados estavam totalmente apagados tocou campainha.
Aparece uma mulher com o humor de quem acaba de ser acordada. Ao ser cientificada da situação, apronta um barraco. Aos berros começa a desfiar impropérios:
– Muito bonito! Seu bêbado, irresponsável. Isso é jeito de chegar em casa? São horas de chegar em casa?
O motorista do táxi, certo de que a descompostura vai longe, interrompe delicadamente a senhora.
– Minha senhora, por favor, escolhe aí qual é o seu marido porque eu ainda tenho mais duas entregas pra fazer…
Outro, meu amigo, saiu do boteco já bem de madrugada, chumbado, e foi levar outros três chumbados em seu carro.
Fez as entregas, chegou em casa, estacionou o carro na garagem e foi dormir.
Por volta das sete horas da manhã é acordado com os gritos da mulher que se preparava para sair com o carro.
– Sérgio, corre aqui, tem um homem dentro do carro
O Sérgio vem correndo e, realmente depara com um cara dormindo o sono dos justos no banco de trás do carro.
– Puta que pariu! É o Cesinha, esqueci de deixar na casa dele!
Certa madrugada, eu e o Kleber de Almeida, saudoso companheiro do Jornal da Tarde, fomos levar um repórter que apagou bebendo conosco no Bar do Alemão, ali perto do campo do Palmeiras.
O cara apagou mesmo. Foi preciso carregá-lo. Aquela clássica cena: eu de um lado, o Kleber de outro, os braços do repórter que vamos chamar aqui simplesmente de Eme passados por nossos ombros, as pernas meio que dobradas e os pés arrastando.
Pior é que, sabia-se, a mulher do Eme era muito brava.
Quando chegamos no prédio onde ele morava, o porteiro entendeu a situação, abriu o caminho e informou o apartamento.
Chegando lá em cima, na porta do apartamento, o Kleber olhou pra mim, eu olhei pro Kleber, e concordamos: não vai dar certo.
Solução: eu fiquei segurando o Eme na porta do apartamento; o Kleber ficou segurando a porta do elevador que era quase em frente.
Meti o dedo na campainha sem dó.
Quando a porta abriu, ela não teve tempo nem de ver quem era: empurrei o Eme pra cima dela e sai correndo pro elevador.
Eme desabou nos braços da amada esposa e ambos desabaram no chão.
No dia seguinte, Eme chegou na redação com o olho roxo e um corte no supercílio.
Não se lembrava quem o levou para casa e que, segundo ele, era o responsável por aquelas marcas.
Não sabe até hoje.
Há muitos anos, quando eu tinha por volta de uns 17 anos e, portanto, não só se passaram muitos anos, como também muitas décadas, estava eu no ponto do ônibus para ir para casa, após um dia de trabalho.
Esperava pacientemente na fila que se formava nas esquinas das ruas Paraná e Tupinambás, em Belo Horizonte, quando fui abordado por um rapaz da minha idade ou um pouco mais novo.
– Você é o Mário Lúcio, não é?
– Sim.
– Você é goleiro, perguntou, afirmando.
– Sim, sou.
– Escuta, estamos precisando de um goleiro. Vamos disputar um torneio de futebol de salão, ali no Sesc, e precisamos de um goleiro. Você não quer quebrar o galho?
– Quando?
– Hoje, agora.
– Mas eu não tenho nem tênis…
– A gente arranja, vamos lá.
Com todo ânimo e irresponsabilidade dos 17 anos, lá fui eu.
A quadra do Sesc ficava poucos quarteirões abaixo.
Minha chegada foi comemorada e logo me explicaram: era um torneio de três times e valia cerveja.
Para encurtar, meu time venceu e a decisão foi por pênaltis. Eu peguei dois e fui o herói da noite.
Toca a comemorar. Cerveja e mais cerveja.
Até que fomos avisados que o bar e a quadra iriam fechar e tínhamos que ir embora.
Despedi-me de todos, fui cumprimentado efusivamente e já estava saindo quando alguém me chamou:
– Êpa, você está esquecendo o seu amigo.
Se referia ao jovem que havia em convidado e que estava apagado debruçado na mesa.
Expliquei que ele não era meu amigo, havia conhecido na fila do ônibus.
– Espera aí, me disse um dos companheiros, ele falou que é seu vizinho e que você é goleiro. E disse que seu irmão é até goleiro profissional.
Bom, o cara me conhecia: afinal, o Márcio, meu irmão, era goleiro do Cruzeiro.
Com muito custo acordei o rapaz que me deu o nome da rua onde morava. Não éramos vizinhos, apenas, morávamos em bairros próximos.
Mas sobrou pra mim.
No ônibus, ele apagou.
Quando chegamos próximos da rua onde ele morava, comecei a reanimá-lo. Ele até que acordou, mas não havia a menor condição de deixá-lo sozinho.
Como bêbado é solidário, fui levá-lo.
Quando chegamos ao local onde ele morava, verifiquei que era o que nós, em Belo Horizonte, chamávamos de Bom-Será. Em um mesmo lote se aglutinavam umas 10 residências, casebres, barracos.
Havia barracos de um lado e de outro do extenso corredor até o fim do lote.
Ele morava na última casa.
Atravessando aquele corredor, eu procurava não fazer barulho e tentava calar meu falante amigo.
Chegando de frente da porta da casa, meu amigo abre os braços e grita.
– Mãããeenhe, óia eu aqui!
A porta é aberta bruscamente e aparece uma mulher, não sei se feia ou mal encarada, ou as duas, mãos na cintura e responde na mesma altura aos berros.
– Que bonito, hein? Tá bêbado, né? Eu já cansei de falar procê não andar com quem não presta. Veja só seu estado.
Tentei argumentar. Ela não deu bola.
– Cala a boca! Olha o que cê fez com meu filho! Cê deu cachaça pro menino, né, seu sem vergonha?
Aquela altura, todos os barracos já estavam com luzes acesas, pessoas nas janelas ou do lado de fora da porta assistindo ao espetáculo.
– Desculpa, dona, desculpa. Consegui falar e fui me esgueirando por aquele corredor que parecia não ter fim e ouvindo ainda os impropérios da mãe do “meu amigo”.
E tinha que andar devagar pois de cada barraco saiam um ou dois ou três cachorros que vinham me cheirar. Nada de correria. Mantenha a calma.
Quando me senti a salvo, fiz a promessa:
Nunca mais levo um bêbado em casa.
Claro, nunca cumpri.
MÁRIO MARINHO ” BLOG CHUMBO GORDO” ( BRASIL)
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Mário Marinho – É jornalista. É mineiro. Especializado em jornalismo esportivo, foi durante muitos anos Editor de Esportes do Jornal da Tarde. Entre outros locais, Marinho trabalhou também no Estadão, em revistas da Editora Abril, nas rádios e TVs Gazeta e Record, na TV Bandeirantes, na TV Cultura, além de participação em inúmeros livros e revistas do setor esportivo.