Toda a movimentação de Jair Bolsonaro em torno da Polícia Federal, que terminou com a demissão do ministro Sergio Moro e do seu comandado, Maurício Valeixo, diretor da PF, vem sendo orquestrada há mais tempo do que podemos supor, entre os militares que o cercam. Quem quiser que acredite na mise en scene dos generais para a permanência de Moro. Pode ter havido, pois para eles Moro à frente da Justiça continuaria a dar um ar de cândida normalidade ao “modelo” que querem implantar. Mas, na boa, Braga Neto não está no comando por acaso. Sabe como ninguém como funciona a estrutura de Bolsonaro. Daí o interesse de Jair em dialogar livremente “com os do meu estado”.
Não esperem os tanques. Eles não virão. Esta construção em marcha segue modelos que visam fortalecer as fileiras intermediárias das corporações, a fim de que lá adiante, se necessário, elas entram em cena para conter qualquer “arroubo”. Bolsonaro prepara um golpe, sim, mas não o clássico. O que ele persegue requer o desmonte do Estado por dentro, tal como o conhecemos, e a reengenharia de um outro tipo de comando. Esta engloba a estrutura que deixou montada no Rio de Janeiro e tornou-se bastante conhecida do general Braga Neto, enquanto esteve à frente do estado como interventor. Não por acaso ele foi colocado como “presidente operacional”.
Quanto a Sergio Moro, sob todos os aspectos que se olhe, foi demitido. Mesmo que tenha tido a oportunidade de dizer: “não fico”. Levando-se em conta a forma como foi encurralado, não há outro termo para descrever a sua despedida do governo Bolsonaro. Antes de sair, sacou do hábito de armar “camas de gato” para os adversários. As “denúncias” exibidas por Moro – que transformou em sessão de “delação premiada” a sua saída -, acenderam sobre si os refletores e ele aproveitou para lançar a sua candidatura à presidência. Marcou encontro com a mídia para 2022.
Até lá, ficará à disposição de quantos queiram ouvir mais histórias sobre Jair, em quem cravou um título: o de estelionatário. Desmentiu que tenha assinado a demissão de Valeixo, publicada com a sua assinatura do Diário Oficial. Mas no meio do caminho Moro vai tropeçar em muitas pedras. Uma delas, esta teia de poder paralelo que vinha sendo urdida sob seus olhos.
Não foram poucas as denúncias graves desfiadas por Sergio Moro contra o ex-chefe. A pior delas, no entanto, se é que esta escolha seja factível, foi a de jogá-lo na vala dos crimes comuns, do tipo executados por bandidos de porta-de-cadeia.
Bolsonaro é o tipo que se estrepa por excessos nos momentos de euforia. Na esteira da demissão do ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, considerou que se abria diante dele uma avenida de possibilidades. Sentiu-se fortalecido – talvez por não ouvir a voz das ruas ecoar contra a demissão ou por considerar que “panelaços” não fazem volume. Errou na avaliação. As reações contidas foram motivadas pelo fato de estarmos todos trancados em casa, sob orientação da Organização Mundial de Saúde (OMS), que ele ataca todos os dias, quando deveria direcionar as suas energias em cuidar da saúde da população. Ainda assim, ousou e avançou.
Mesmo sem partido, sem lenço – vive secando o nariz nas costas da mão – e sem apoio no Congresso, seguiu buscando novos rumos para a permanência no poder. Tanto é assim que atravessou o riacho da decência e de suas promessas de campanha e foi buscar na listagem dos arquivos de Sergio Moro nomes com ficha corrida consideráveis, tais como o petebista Roberto Jeferson e Valdemar Costa Neto (PL-SP) e Ciro Nogueira, senador pelo Progressistas, a quem pretende destinar o FNDE, com orçamento na casa dos R$ 51 bilhões.
Arrepiou a sua própria base, motivando protestos imediatos. Fez acender em Moro o senso de oportunidade – que sempre demonstrou ter, desde que liberou a delação vazia do Palocci às vésperas da eleição de 2018 – e ele deve ter pensado: é descer agora ou nunca.
Investido do figurino de homem probo, seguido do slogan do Spike Lee (“Faça a Coisa Certa”) desembarcou. Transformou o seu “tchau, querido”, num show à parte. E, vamos ser justos, nos prestou algum serviço. Moro bombardeou Bolsonaro e ensaiou fazer uma revelação gravíssima, ao citar alguns nomes possíveis para a substituição do ex-diretor da Polícia Federal, Maurício Valeixo.
Parecia querer contar (mas não foi adiante), que o próximo xerife da PF será Alexandre Ramagem, (o atual chefe da Abin), e que este vem a ser o homem que juntamente com Carluxo minou a permanência do general Santos Cruz no cargo e, com total apoio do empijamado Augusto Heleno, estruturou o plano de criação de um gabinete de Inteligência dentro do Planalto. UM NOVO SNI. E Moro, certamente, não ignorava isto, ou fingiu não ver.
O apoio de Augusto Heleno para a grande cartada de Bolsonaro tem uma razão maior de ser. O plano de juntar Gabinete de Segurança Institucional, mais a PF, transformando-a em um braço operacional do GSI fortalece a sua atuação.
Levando-se em conta que Moro é “pilar ideológico dos militares”, nos próximos dias haverá uma certa desorganização na “tropa” –um certo “unplugging militar” – (distanciamento sucessivo da tropa em relação ao bolsonarismo).
Enquanto isto, a confusão a partir da demissão de Mandetta possibilitou a Bolsonaro desnortear a cobertura da mídia. Para ele foi vantajoso, naquele momento, que ela estabelecesse uma divisão nítida entre o que era “técnico”, e o que era “político”, facilitando o seu trabalho de defenestrar o ministro.
Neste intervalo Bolsonaro tratava de colocar a PF sob o controle do GSI. Ele sabia que a leitura evidente da saída de Moro seria a de que estava agindo para proteger os filhos. Esta é a fachada, quando no seu horizonte a proteção vai muito além. Ultrapassa os portões do “Vivendas da Barra” e se espraia até o que acontece na beira do cais e nos arredores das comunidades e do interior do estado. O poder que Bolsonaro quer proteger frequenta quartéis, becos e vielas. E nos seus planos Braga Neto cai como uma luva. Afinal, ninguém tomou mais pé das suas movimentações pelo Rio, que o general? Braga, hoje, é útil. Moro, não mais.
DENISE ASSIS ” BLOG 247″ ( BRASIL)