Pedir o apoio das ruas para se manter no poder não tem um bom retrospecto no Brasil. Na crônica de Pinheiro do Vale, exemplos desde os tempos dos marechais presidentes
O presidente Jair Bolsonaro soltou, no domingo, 19, a frase maldita que esteve na boca de chefes do governo que foram depostos, legal ou ilegalmente, na história republicana do Brasil. “Povo no Poder” é a expressão que esteve na boca de todos, desde Deodoro da Fonseca até Dilma Rousseff.
Falando num palanque improvisado na carroceria de uma pick-up, em frente ao Quartel General do Exército (QG), em Brasília, o presidente (e comandante em chefe das Forças Armadas, pelo menos formalmente), Bolsonaro disse, em alta voz, engasgando-se e tossindo: “Nós não queremos negociar nada. Queremos é ação pelo Brasil”, disse. Foi aplaudido por centenas de manifestantes. “Chega da velha política! (…) Acabou a época da patifaria. Agora é o povo no poder. Vocês têm a obrigação de lutar pelo País de vocês”.
O significado da mensagem é que as demais instituições, Legislativo e Judiciário, estão atrapalhando o Governo. Ou melhor dizendo: o presidente não consegue executar o programa a que se comprometeu na campanha eleitoral, e que o levou ao poder. Com isto, seus adversários seriam traidores da causa, merecendo o repúdio da população.
Desde Deodoro
Outros presidentes depostos tiveram o mesmo confronto com as demais instituições. Todos caíram. O fundador da República, marechal Deodoro da Fonseca, renunciou confiando em sua popularidade, mas o vice-presidente Floriano Peixoto, também marechal do Exército, alegando convulsão interna, decretou estado de sítio para não realizar eleições suplementares e ficou até o final do mandato. O povo não derrubou o mandatário.
Já na República de 1945, o presidente Jânio Quadros apelou diretamente ao povo, criou um fato chocante com a renúncia, mas não conseguiu voltar ao poder. Seu sucessor, o vice-presidente Jango Goulart, também apelou diretamente às ruas para implantar suas reformas de base, mas foi derrubado pelo próprio Congresso, que, majoritariamente, apoiou um movimento militar e declarou vago o cargo de presidente da República, elegendo um general, Castello Branco, para completar mandato. Deu no que deu: um regime autoritário por 21 anos.
Já no regime democrático da Nova República, o presidente Fernando Collor também chamou o povo às ruas vestindo verde e amarelo. A esquerda reagiu com vestes pretas. Meses depois o presidente da República foi deposto por um impeachment no Congresso, acusado de crime de responsabilidade, absolvido pelo STF algum tempo depois, que não viu provas nem culpa. Não deu certo.
Também a presidente Dilma Rousseff confiou no poder das ruas e na capacidade de mobilização de seu partido, o PT, para reagir às manifestações de protesto de 2013. Não negociou com o Congresso. Perdeu. Meses depois teve seu mandato cassado pelo Parlamento.
Getúlio foi a exceção
Esses são os exemplos. Um caso raro foi do então presidente constitucional Getúlio Vargas, em 1937. Ele suspendeu as eleições, fechou o Congresso, extinguiu os partidos e sufocou os movimentos políticos. O golpe de estado foi dado pelos generais, chefiados pelo ministro da guerra, Eurico Gaspar Dutra. Na hora do golpe, Vargas estava num jantar. Não interrompeu a festa, quando chegou a notícia de que os tanques da Vila Militar estavam no centro da cidade. Ou seja: estava dando a entender que os militares lhe ofereciam a continuidade no poder. Não era dele a autoria. Caso único.
Como dizia o então governador do Rio Grande do Sul, Borges de Medeiros, “a popularidade é uma deusa cadela”.
PINHEIRO DO VALE ” BLOG OS DIVERGENTES” ( BRASIL)