Bolsonaro, outra vez, mordeu e assoprou.
Ontem, compareceu diante do QG do Exército, onde grupos pediam o fechamento do Congresso e do Supremo, e discursou, aos gritos, que a “época da patifaria” havia chegado ao fim. “É agora o povo no poder”, esbravejou.
Hoje, acordou bem mais manso. Diante dos apoiadores no Palácio da Alvorada, fez-se democrata e vítima. “Eu já sou o presidente da República. Estou conspirando contra quem, meu Deus do céu? Falta um pouco de inteligência para aqueles que me acusam de ser ditatorial”.
As idas e vindas de Bolsonaro têm método.
O ex-capitão está convencido de que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, quer derrubá-lo, com o apoio dos ministros mais antigos do STF.
O chamamento às ruas feito na entrevista à CNN na sexta-feira e o discurso no Quartel General no domingo tiveram a intenção de “avisar as cúpulas do Legislativo e do Judiciário que elas têm que ter muita responsabilidade neste momento”, como diz um assessor militar do Palácio. Em outras palavras: Bolsonaro quis “dar um calor” no Congresso e no STF mostrando que teria com ele “o povo e o Exército”.
O recado não reflete inteiramente a verdade, dado que parte do Exército mostrou-se incomodada com a apropriação da sua marca pelo presidente da República. Outra vez, o general da reserva e ex-ministro de Bolsonaro, Carlos Alberto Santos Cruz, cuidou de vocalizar o desagrado da categoria lembrando que a Força é uma instituição de Estado e não de governo.
Em compensação, passou quase despercebida a mensagem que o general Augusto Heleno, a pretexto de lembrar o Dia do Exército, postou no Twitter horas depois do discurso presidencial no Quartel General.
“Exército Brasileiro, invencível por se colocar, sempre, ao lado do povo. Suas ações construíram o respeito e a gratidão que a nação lhe devota. Orgulho-me de haver passado 45 anos em seus quadros, de cadete a general. Faria tudo novamente, por vocação e destino incontornáveis”.
Bons entendedores captaram logo a palavra-chave: “sempre”.
Sempre ao lado do povo. Não seria da Constituição? Não. Do povo. O mesmo povo que Bolsonaro disse estar agora no poder.
Dentre os generais palacianos, o ministro do GSI — na juventude ajudante de ordens do general Silvio Frota, aquele que considerava o presidente Ernesto Geisel “de esquerda”— é o mais incondicionalmente fiel a Bolsonaro. Não incentivou sua ida ao QG no domingo, mas compartilha integralmente com ele a ideia de que o Congresso e o STF tentam cercear os poderes do presidente da República e que é preciso dar um “presta atenção nos desavisados”.
Ontem, o que Bolsonaro fez foi mostrar os dentes.
Hoje, o presidente veste a pele do cordeiro.
O amanhã dependerá da intensidade das reações que suas idas e vindas suscitarem — no Congresso, no STF e na sociedade.
THAIS OYAMA ” SITE DO UOL” ( BRASIL)