No debate político, é importante dar nome às coisas. E dar-lhes o nome correto.
Afirmar que Bolsonaro é fascista é ir além de dizer que se trata de um conservador, um reacionário ou um governante de direita. Isso ele é, mas é perfeitamente possível ser direitista e não ter afinidade com o fascismo. Muitos políticos de direita foram e são antifascistas.
Tampouco significa que é um autoritário no plano ideológico e capaz de atitudes e comportamentos violentos. Sempre foi assim, como demostrou ao longo da vida, através de palavras e gestos, mas não é isso que se discute.
Há governantes autoritários que não são fascistas. Em nossa história, tivemos chefes de governo autoritários que não o eram, como os militares que ocuparam a presidência da República de 1964 em diante. Autoritarismo e fascismo podem ser próximos, mas são diferentes.
Em seu uso atual, as expressões fascismo e fascista adquiriram sentido amplo, maior que as que designam fenômenos políticos e ideias até semelhantes, como o nazismo, o salazarismo e o franquismo. Esses, contudo, são conceitos de aplicação específica e se referem a casos históricos particulares, enquanto fascismo alude a algo além de Mussolini e da experiência italiana de entre 1922 e 1943.
Não seria, portanto, correto dizer que Bolsonaro é nazista, por exemplo. Pelos mesmos motivos e em que pese o fato de ele compartilhar com elas a noção de supremacia branca ou a idolatria das armas de fogo, não caberia dizer que é um homem da Ku Klux Kan ou membro da Associação Nacional do Rifle norte-americana. Um dia, quem sabe, chega lá.
Como afirmou Umberto Eco em um texto de 1995, intitulado “Ur-Fascismo” e publicado na New York Review of Books, a possibilidade de uso amplo do conceito de fascismo decorre de uma das características mais importantes do fenômeno histórico: a imprecisão, indefinição ou falta de nitidez.
Nos 20 anos em que Mussolini foi primeiro ministro, o fascismo na Itália passou de republicano a monarquista e voltou à república, manteve um exército regular e uma milícia pessoal para o Líder Máximo, conviveu em harmonia com a Igreja Católica e propôs o culto à violência na educação pública, defendeu a primazia do livre mercado e interveio drasticamente na economia. Não é que o fascismo italiano, em suas contradições, contivesse os elementos das formas de totalitarismo que o sucederam. A questão é que não passava de uma colagem de ideias filosóficas e políticas heterogêneas e, muitas vezes, antagônicas. Nas palavras de Eco, Mussolini não tinha uma filosofia, mas somente uma retórica (e uma iconografia), que outras lideranças totalitárias à direita puderam adotar dali em diante.
Não há um fascismo único, mas formas diferentes de fascismo, assim como não há apenas um tipo de fascista, mas diversos. Tal qual ocorre com as doenças do organismo, em relação às quais se pode afirmar que os indivíduos têm experiências singulares, o fascismo é uma espécie de doença do sistema político, que cada sociedade atravessa à sua maneira.
Eco identifica alguns traços que integram a “nebulosa fascista” e que os fascismos concretos compartilham, em maior ou menor grau. Muitos são visíveis no Brasil de hoje: o irracionalismo, de braços dados com o fanatismo religioso e o ocultismo; a desvalorização do pensamento e a exaltação do fazer; a desconfiança nos intelectuais (identificados como “degenerados” ou “vermelhos”, traidores dos “valores nacionais tradicionais”); o medo do diferente e o racismo. Bolsonaro repete Mussolini e Hitler no modo como procura manter insuflada sua militância, como uma tropa de “combatentes heroicos”, da qual espera adesão cega. Também como eles, o fascista brasileiro transfere sua vontade de poder para o campo sexual, no machismo que implica desdenho das mulheres e intolerância e condenação de formas não-convencionais de sexualidade. Como Hitler e Mussolini, da dificuldade em lidar com o sexo real, Bolsonaro escapa para brincadeiras com armas, um exercício fálico substitutivo.
O capitão brasileiro é, no entanto, menos capaz e qualificado intelectualmente que esses personagens. Nada tem da imaginação institucional que possuíam. O carisma de sua imagem é menor, sua comunicação popular é limitada, não transmite autoridade, não provoca o respeito. Ninguém interrompe seus afazeres para ouvi-lo, muito menos permanece imantado, como ficavam milhares de italianos ou alemães na presença de seus líderes.
Bolsonaro não passa de um fascista tardio, tolo e mal educado, que, em sua truculência, nada tem a dizer ao País. Isso não desobriga, no entanto, o pensamento democrático de fazer, em relação a ele, o que Eco propõe: “Nosso dever é revelar o fascismo e apontar suas novas manifestações, a cada dia, em qualquer lugar do mundo”.
MARCOS COIMBRA ” BLOG 247″ ( BRASIL)
Marcos Coimbra é sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi