Na medida em que todos passaram a dizer que um processo de impeachment contra Bolsonaro tornou-se inviável dentro da pandemia, ele ficou mais à vontade para desafiar a ciência e a orientação das autoridades de saúde, para desrespeitar a vida das pessoas, pregando a volta ao trabalho e a uma normalidade que não mais existe. Eu vinha dizendo que, melhor que o impeachment, com seu longo rito, seria investir num processo por crime comum. Com seu rito breve, ele poderia levar, no curto prazo, ao afastamento do presidente por 180 dias, até que se conclua o julgamento, desde que haja vontade política para isso.
A hipótese começou a ganhar probabilidade a partir da decisão do ministro do STF Marco Aurélio Mello, de enviar ao Procurador-Geral da República, Augusto Aras, a queixa crime do deputado Reginaldo Lopes (PT-MG) contra Bolsonaro. Ontem, 30 de março, partidos de oposição (PT, PSB, PDT, PSOL, PC do B, Rede e PCB) também entraram com queixa-crime no STF mas a de Reginaldo está mais avançada. Já tem relator e este já encaminhou o assunto ao procurador-geral.
Vejamos agora o que pode acontecer, do ponto de vista estritamente jurídico. É claro que, para a coisa prosperar, teria que haver um consenso político, a formação de uma frente ampla, reunindo partidos e autoridades dispostos a enfrentar a necessidade de afastar Bolsonaro da Presidência para frear sua atuação desatinada, suas mensagens que confundem a população e podem comprometer todo o esforço de isolamento social para mitigar os efeitos da pandemia, vale dizer, colapso do sistema de saúde, mais contaminações e mortes.
Do ponto de vista processual, Aras terá 15 dias para dizer se recomenda ou não a abertura de processo contra Bolsonaro por estar atuando contra a saúde pública, como alegou Reginaldo. Hoje Aras surpreendeu ao dizer que quem determina a política sanitária é o ministro da Saúde, Henrique Madetta. Mais um que ficou com a ciência e não com Bolsonaro. Mas ainda que Aras recomende o arquivamento da denúncia, Marco Aurélio não terá necessariamente que concordar com ele. Já houve casos em que o STF não acolheu a recomendação da PGR. Muito possivelmente, Marco Aurélio daria seu voto, enviando o assunto para decisão do plenário, dada sua gravidade.
Aí esbarramos no presidente da corte, Dias Toffoli. Ele não poderia imitar Carmem Lúcia, que cozinhou os pedidos de habeas corpus de Lula. Toffoli e o Supremo teriam que ser parte da coalizão salvadora, acolhendo a denúncia. Imediatamente, o STF levaria o assunto à Câmara, onde o rito seria o seguinte: a Comissão de Constituição e Justiça analisaria a constitucionalidade da denúncia, e qualquer que fosse sua decisão, o assunto iria ao plenário.
Ali, a licença teria que ser autorizada por 2/3 dos votos, ou 342. Bolsonaro poderia barrar a denúncia dispondo de 1/3 de votos mais um (172 votos). Temer sofreu duas denúncias por crime comum mas comprou votos e as duas foram rejeitadas. Já Bolsonaro dificilmente teria capacidade para articular a barragem de votos. Ademais, como dito acima, tal processo só poderia avançar se existisse a frente política disposta a sustentá-lo.
Autorizada a abertura do processo pela Câmara, o STF imediatamente afastaria o presidente da República por 180 dias, até que se conclua o julgamento. Calar Bolsonaro imediatamente já seria um ganho imenso para o Brasil.
Este rito pode acontecer em 30 dias. Mas, é claro, se nossas elites políticas estiverem dispostas a enfrentar o problema, reunindo esquerda, centro e direita não terraplanista para nos livrar do risco Bolsonaro.
TEREZA CRUVINEL ” BLOG 247″ ( BRASIL)
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