A Península Ibérica é profundamente marcada pela poesia e por fabulosos poetas. Muitos atribuem a vocação literária dos peninsulares aos sete séculos da ocupação islâmico-árabe-persa, assinalada pelos emires orientais, isto é, seus príncipes, mestres dos mestres dos versos, na mais ocidental das terras da Europa.
Uma invasão iniciada nos anos 700, século seguinte à Revelação do Alcorão ao Profeta Mohammad, estendendo-se até 1492, quando, finalmente, foi expulso da Andaluzia o Califado de Granada pelos Reis Católicos de Sevilha. São poetas, de fato, os dois principais vultos das letras portuguesas, ambos lisboetas, Luis de Camões (1524 – 1580), autor do épico “Os Lusíadas”, e Fernando Pessoa (1888 – 1935), com vários heterônimos,
Destacam-se ainda outro lisboeta, Mário de Sá-Carneiro (1890 – 1916), o setubalense Manuel Maria Barbosa du Bocage (1765 – 1805) e o açoriano Antero de Quental (1842 – 1481), um dos fundadores do Partido Socialista Português. Embora a obra mais importante em castelhano seja um romance, o célebre “Dom Quixote”, de Miguel de Cervantes (1547 – 1616), é igualmente relevante o desempenho dos poetas na Espanha. Quase todos, aliás, provenientes das regiões meridionais do país, onde era al-Andalus dos califas maometanos. Como os sevilhanos Gustavo Adolfo Bécquer (1836 – 1870), Antonio Machado (1875 – 1939) e Vicente Aleixandre (1898 – 1984), vencedor do Prêmio Nobel de Literatura de 1977, o granadino Federico García Lorca (1898 – 1936), o gaditano Rafael Alberti (1902 – 1999) e o alicantino Miguel Hernández (1910 – 1942).
Do extremo oposto, do norte celta, vem a maior das poetas ibéricas, a galega Rosalía de Castro (1837 – 1885), nascida acima do Rio Minho, a cerca de mil quilômetros da Andaluzia, na Província de La Coruña, justamente na entrañable Santiago de Compostela, capital do antigo Reino de Galícia e, atualmente, sede da Xunta de Galiza – membro da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.
Conforme enfatizou, em São Paulo, no dia 10 de março, em palestra sobre a Lusofonia, à Casa de Portugal, o Príncipe herdeiro da Coroa de Lisboa, Dom Duarte Pio de Bragança, às vésperas de completar 75 anos. Dom Duarte lembrou, com razão, que a origem do idioma camoniano é o galego medieval, ainda hoje falado nas quatro províncias que formam a bucólica região autônoma espanhola – integrada, para além de La Coruña, por minha queridíssima Pontevedra, fronteiriça ao Minho, Lugo e Orense, vizinha a Trás-os-Montes.
O galego, a propósito, é uma das quatro línguas oficiais da Espanha, segundo a Constituição de 1978, juntamente com o próprio castelhano, conhecido em todo o planeta como espanhol, o basco e o catalão. García Lorca foi admirador dos cantares galegos de Rosalía de Castro. Versos fundamentais à galleguicidad, que teve em seu marido, o corunhês Manuel Murguía (1833 – 1923), um dos mais combativos líderes da autodeterminação regional.
A obra de Rosalía de Castro é reverenciada não só pelas correntes literárias ibéricas, mas também ibero-americanas. Inclusive na maior das nações de idioma português, o Brasil, na qual foi forte a emigração galega para metrópoles como São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador, onde nasci, filho de pai pontevedrino de Xunqueiras, município de Pazos de Borbén.
Há motivos de sobra para recordar Rosalía de Castro neste ano que antecede ao Xacobeo Compostelano, o Jubileu do Ano Santo – que acontecerá em 2021, celebrando a evangelização de grande parte da Europa pelo Apóstolo Tiago. Estive presente ao último Xacobeo, em 2010, acompanhado de minha esposa Andrea e da cunhada Maria, na monumental Catedral da capital galega, à Praça do Obradoiro, grafado exatamente assim, em galego.
ALBINO CASTRO ” PORTUGAL EM FOCO” ( BRASIL / PORTUGAL)
Albino Castro é jornalista e historiador