Bolsonaro entrou no radar do impeachment? Esta pergunta não pode ser ainda respondida categoricamente. Mas, por algumas razões, o que se pode dizer é que ele deu alguns passos em direção ao impedimento de seu mandato. O baixo crescimento do PIB de 2019 provocou frustrações até mesmo em setores das elites que o apoiam. A perspectiva da economia para 2020 não é ruim apenas por conta do coronavírus. Cada vez mais setores da sociedade percebem que a equipe de Guedes não tem um plano para estimular a economia. Reformas e privatizações só surtem efeitos no médio prazo. Os brasileiros precisam de respostas e ações urgentes no presente. Mas o que se percebe no presente é o desgoverno.
O desgoverno se evidencia em várias frentes, destacando-se as seguintes: o governo não tem um plano para ativar a economia; as áreas sociais, ambientais, culturais, educacionais e científicas sofrem um explícito processo de destruição; na área política, o governo Bolsonaro perde cada vez mais apoio popular e apoio no Congresso; na área militar crescem as desconfianças sobre a viabilidade do governo. O agravamento desses fatores pode colocar Bolsonaro na beira do abismo do impeachment.
Mas um impeachment não depende apenas da vontade do Congresso e de agentes políticos e econômicos. Ele depende, fundamentalmente, das ruas. Collor e Dilma sofreram processos de impedimento após grandes mobilizações de rua. Não seria diferente com Bolsonaro. Para ocorrer impeachment o apoio a Bolsonaro teria que se desidratar abaixo dos 15%. Este jogo vai ser decidido antes nas ruas e depois no Congresso.
Bolsonaro percebeu que o jogo será decidido nas ruas. Por isso tomou a dianteira ao convocar os atos do dia 15. Com o coranavírus circulando, não será possível medir o termômetro das ruas no curto prazo: os atos bolsonaristas foram desidratados, em alguma medida, pelo temor da epidemia e o calendário de atos dos movimentos sociais e da oposição será afetado e adiado pela mesma razão. Assim, a medição de forças das ruas terá que ser adiada. Mas, o que se pode indicar pela lógica dos acontecimentos de 2019 e pelas primeiras escaramuças de 2020 é que, nem o bolsonarismo, nem as oposições de esquerda têm grande capacidade convocatória neste momento, a ponto de tornar as ruas decisivas para um lado ou para outro. O principal palco de oposição do PT, por exemplo, parece ser os recintos do STF. A direção do PT parece acreditar mais nos senhores togados do que no povo.
Nas últimas semanas ficou evidente que Bolsonaro mudou de foco quanto a seus alvos de ataque. O foco principal não é mais a esquerda, mas o centrão, nas figuras de Rodrigo Maia, Alcolumbre, Dória e o presidente do STF. Não são apenas as figuras políticas, mas também as instituições como o Congresso e o STF. As manifestações do dia 15 tiveram um conteúdo predominantemente golpista. Bolsonaro percebeu que a força que pode proporcionar o impeachment no Congresso é o centrão, não a oposição. Nisto, talvez, ele queira extrair lições dos erros do PT. A estratégia petista contra o impeachment de Dilma foi a de composição com o centrão até o fim. Dois dias antes da votação na Câmara alguns ministros retomaram seus mandatos parlamentares para votar contra Dilma. Bolsonaro parece acreditar que a fórmula para deter o centrão é o confronto. Não há garantias que dará certo e o momento político, econômico e social não favorece a estratégia bolsonarista.
Os analistas da grande mídia e da esquerda cobram de Bolsonaro aquilo que ele não pode entregar: responsabilidade, decoro, respeito, racionalidade, bom senso, civilidade e comando do país. Bolsonaro é o oposto de tudo isso, seja pela sua personalidade demente e desequilibrada, seja pelo seu cálculo político.
Os líderes totalitários se movem claramente por uma propensão criminosa. O seu modo de ser é a mentira. Acreditam nas suas próprias mentiras e, com simplismo grosseiro, conseguem fazer com que seus adeptos também acreditem nas mentiras. Acreditam que o mal e o ódio que propalam sejam o bem. Esses diferentes tipos de líderes acreditam que obedecem um mandato superior: leis da história, leis da natureza ou Deus. No caso de Bolsonaro e de seus seguidores, trata-se de agir para realizar a vontade divina. Existem vários estudos que explicam essas tipologias psíquicas e comportamentais.
O que não se consegue explicar é a conduta omissa e covarde daqueles que deviam deter essa marcha da insanidade dos atormentados que, se não forem detidos, terminarão triunfando e mergulhando a sociedade na violência desenfreada. Bolsonaro faz e desfaz. Não respeita ninguém. Não respeita as instituições, nem o seu ministério, como não respeitou o partido que o elegeu. Ele não está apto e nem quer comandar o país para enfrentar o coronavírus e a crise econômica.
Cobrar de Bolsonaro respeito a alguém ou às instituições é semear palavras ao vento. Cobrar dele decoro porque ele chutou o boneco de Lula, porque Lula foi recebido pelo papa e outros líderes mundiais, é uma lamúria que não faz sentido. Não se deve cobrar nada de Bolsonaro. A única atitude que se deve ter em relação a ele é detê-lo. Esta tarefa deve ser levada a efeito dentro das instituições, na sociedade civil, mas, principalmente, nas ruas. Chega a ser espantoso, para não dizer deprimente, que, há poucos dias, um parlamentar bolsonarista, numa altercação com um petista, tenha desafiado o PT a chamar o povo às ruas.
Bolsonaro não se vê e não age como presidente do Brasil. Ele se vê e age como chefe de bando, de milícia. A sua estratégia consiste em manter o apoio de cerca de 1/3 do eleitorado, visando as eleições de 2022. A par disso ele vai organizando e mobilizando seus camisas negras, as suas futuras tropas de assalto. Ele acredita que enfrentará o PT no segundo turno e que vencerá. Seu inimigo imediato, que pode tirar-lhe votos, é o centrão. Ao contrário do que pensa a esquerda apavorada, Bolsonaro não quer e nem tem força para dar um golpe agora. A sua estratégia é o tensionamento das instituições democráticas e a formação de sua força de combate. A estratégia de Bolsonaro no poder é oposta à do PT. O PT domesticou e docilizou a militância. Bolsonaro a exaspera e a incita à violência.
Bolsonaro não tem um projeto de governo e nem de país. Ele quer o poder. O poder pelo poder. O poder para extravasar os seus instintos primitivos, para extravasar o ódio que nutre por tudo o que é diferente, o ódio que nasce de suas frustrações inconfessáveis. Ele nutre um desprezo profundo pelo povo Ele é um líder simplório, grotesco, histriônico, sem dotes de inteligência e de oratória. Ele cativa porque se comunica por fórmulas simples e vazias e pela crença resoluta que expressa nas mentiras que ele profere e na falsificação da realidade que constrói.
As pessoas descrentes das instituições, dos partidos e da política querem se convencer de algo verdadeiro. A mentira é a fantasia simples que Bolsonaro consegue oferecer-lhes como verdade. A resolução dos problemas do país não está nas leis, nas instituições e na boa governança, mas na aplicação pura da força. Daí nasce a devoção dos fanáticos que, se não detidos, eles arrastarão tudo o que tem pela frente porque não encontram resistências. Encontram apenas a criminosa omissão de instituições, líderes, partidos e movimentos que deveriam ter o dever de detê-los.
ALDO FORNAZIERI ” BLOG 247″ ( BRASIL)
Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política (FESPSP)