A partir da Revolução Francesa, de 1789, passou-se a dividir o cenário político, grosseiramente, em partidos de esquerda e de direita – obedecendo à posição, na época, das bancadas na Assembleia Nacional, às margens do Rio Sena, na Rive Gauche, em Paris, nas monumentais dependências do Palácio Bourbon. À esquerda, no plenário, sentavam-se os jacobinos, tidos e havidos como mais revolucionários, e, à direita, os moderados girondinos. Desde então o epicentro do pensamento das esquerdas de todo o planeta é Paris. Com algumas exceções ao longo destes 231 anos.
Duas delas, entre os séculos XIX e XX, foram Berlim, influenciada e convulsionada pelas ideias comunistas do alemão judeu, Karl Marx (1818 – 1883), e as metrópoles russas de Moscou, sede do Imperial Kremlin, e São Petersburgo, onde deu-se a Revolução Soviética de 1917, com a tomada do Palácio de Inverno, residência dos Czares nos meses mais frios.
Também estiveram no olho do furacão das esquerdas, a castelhana Madri e a catalã Barcelona, com a proclamação, em fevereiro de 1931, da Segunda República da Espanha, que perduraria até março de 1939. Foram os anos de apogeu do anarco-sindicalismo espanhol da poderosa Confederación Nacional del Trabajo (CNT), alinhada à Frente Popular, que reunia tradicionais adversários, como os marxistas, socialistas e comunistas, dentre os quais, stalinistas e trotskistas – para além de apoiarem os nacionalistas independentistas da Catalunha, País Basco e Galícia. Jovens do mundo inteiro, se bateriam, sem sucesso, como voluntários nas Brigadas Internacionais, para salvar a República madrilenha.
Lisboa se tornaria o ponto central dos ideais esquerdistas nos cinco anos seguintes à Revolução dos Cravos, que eclodiu em 25 de Abril de 1974, quando novas gerações de ativistas, não só portugueses e europeus, mas latino-americanos, sobretudo brasileiros, bem como africanos e asiáticos, assaltaram a velha metrópole do Império Português. Ocuparam, inclusive, palacetes abandonados por famílias ligadas ao Ancient Régime – temerosas de ‘justiçamento’ revolucionário que não aconteceria.
Lembro-me, perfeitamente, que até o movimento italiano de extrema-esquerda, Lotta Continua, chegou a invadir, no verão de 1975, uma das mansões na elegante Cascais, próxima a Lisboa. Um daqueles jovens era o jornalista romano Paolo Argentini, meu amigo, colega de trabalho, nos anos 1980, na redação da emissora monegasca de língua italiana Telemontecarlo.
Conheceria na incendiária Lisboa dos Capitães de Abril um dos dirigentes históricos da esquerda brasileira, o stalinista Diógenes Arruda Câmara (1914 – 1979). Ilustra a coluna a foto que fiz dele e da esposa, a artista plástica Teresa Costa Rego, em 1978, em Lisboa.
Nascera na localidade pernambucana de Afogados da Ingazeira, na região do Pajeú, e foi o braço direito do gaúcho Luis Carlos Prestes (1898 – 1990) à frente do Partido Comunista Brasileiro (PCB), o Partidão, durante boa parte dos 10 anos (de 1935 a 1945) em que o Capitão da Coluna Prestes esteve preso nas masmorras do conterrâneo Getúlio Vargas (1882 – 1854). Arruda se orgulhava dos anos em que foi comandado, na Internacional Comunista, pelo próprio Stalin, com quem teve dois encontros oficiais, conforme relatou-me em Roma, em junho de 1979, três meses antes de regressar ao Brasil, num depoimento feito em minha casa, no bairro do Aventino, gravado em fita cassete, preservada até hoje por mim.
A admiração dele por Stalin era tão grande que usava um bigodão semelhante ao do ‘Pai dos Pobres’. Com a ‘desestalinização’ do Partido Comunista Soviético (PCUS) e, consequentemente, do próprio Partidão, o velho Arruda, como era chamado, acabaria se filiando ao Partido Comunista do Brasil (PC do B), fundado em 1962, por três outros camaradas dissidentes do mesmo PCB: o baiano judeu Maurício Grabois (1912 – 1973) e os paraenses João Amazonas (1912 – 2002) e Pedro Pomar (1913 – 1976).
Já sabia da existência de Arruda, por meio do livro “O Retrato”, lançado em 1962, pelo jornalista baiano Osvaldo Peralva (1918 – 1992), ex-membro do Partidão. Arruda é o personagem principal da obra e acusado de praticar, no PCB, os métodos autoritários do ditador georgiano. Só teria a oportunidade de conversar com ele pessoalmente, em seu exílio, em 1977, nas ‘sessões de esclarecimentos’, que costumava fazer nos bairros populares e na Baixa lisboeta.
Foi o ideólogo de dois partidos da extrema-esquerda lusitana: a União Democrática e Popular (UDP), que conseguia eleger um deputado à Assembleia da República e, desde 1999, integra o Bloco de Esquerda, e o Partido Comunista Português Reconstruído (PCP-R), dissolvido em 2002. Ambos eram afinados ao PC do B, que, àqueles anos, mantinha vínculos fraternais com os regimes da China, implantado por Mao Tsé-Tung (1893 -1976), e da balcânica e messiânica Albânia, de Enver Halil Hoxha (1908 – 1985), de origem islamita, considerado o último dei capi stalinistas. Arruda morreria, em São Paulo, em novembro de 1979, apenas um mês após seu retorno do desterro.
ALBINO CASTRO ” PORTUGAL EM FOCO” ( BRASIL / PORTUGAL)
Albino Castro é jornalista e historiador