Todos os tiranos são fracos, são covardes, assim como os femenicidas. Não aceitam a pluralidade e a diferença. Não aceitam a condição plural do poder. Por isso são perigosos e precisam ser contidos.
Bolsonaro foi mau soldado e é um péssimo presidente. No Exército se amotinou contra a espinha dorsal das instituições militares: a hierarquia e a disciplina. Indisciplinado, articulou atos terroristas contra instalações do Exército e em outros locais do Rio de Janeiro, que não chegaram a ocorrer. Relatório do Centro de Inteligência do Exército o considerou indisciplinado, como alguém que prejudicou a imagem da organização militar e que agrediu a ética. Por unanimidade, o Conselho de Justificação do Exército o considerou culpado em 1988 e declarou a sua “incompatibilidade para o oficialato e a consequente perda do posto e patente…”. Por isso, foi expulso do Exército. Infelizmente, em 1990, o Superior Tribunal Militar o inocentou, ato que abriu caminho para que uma desgraça ainda maior do que a usual se abatesse sobre o Brasil com sua eleição para presidente. É relevante notar que os documentos do Exército consideravam Bolsonaro um mentiroso.
A vida política de Bolsonaro sempre foi uma mentira. Em 28 anos de mandato parlamentar nada fez, a não ser mentir, ofender, semear preconceitos, estimular a violência, defender ditadores e torturadores. Eleito presidente pela mentira, não abandonou esses vícios antigos, renovou-os, numa continuada prática de atentar contra o bom senso, os bons modos e os sentimentos de humanidade e de civilidade.
Presidente, Bolsonaro alargou ainda mais sua degradação moral: exerce uma homofobia doentia, agride as mulheres, degrada leis e instituições para que se matem índios, pobres, negros, mulheres. Degrada leis e instituições para que se derrube a Floresta Amazônica, para que cresça a violência no trânsito, para que se solucionem os conflitos à bala.
Se no Exército violou a hierarquia e a disciplina, como presidente Bolsonaro viola a Constituição e a lei. Amotinado no Exército, agora comanda um motim contra o Brasil. Como oficial conspurcou a imagem da organização militar; como presidente, conspurca e degrada a imagem do Brasil, envergonhando todos os brasileiros que sentem um mínimo de pudor. Lá não respeitou o Exército; agora não respeita o Brasil. Lá desacatou seus superiores; como presidente, desacata o povo, as instituições e a Constituição. Mentiu no Exército, mentiu como político e continua mentindo como presidente. Ignorante, ele não faz de sua ignorância uma sabedoria humilde para buscar na prudência o aconselhamento dos que sabem. Mas transforma a sua ignorância numa catapulta para apedrejar a educação, a ciência e a cultura.Leia também: TV GGN: Aproxima-se a hora do confronto final, por Luis Nassif
Amotinado, Bolsonaro é a encarnação do mau exemplo. Ele é o líder de policiais amotinados que tendem ao milicianismo. Ele é o arauto da indisciplina militar. Que exemplo pode dar aos soldados e oficiais? O do motim? O das intenções terroristas? Que exemplo pode dar ao povo brasileiro? O do mentiroso? O de amigo de milicianos? O do presidente que despreza os interesses do Brasil e preza os interesses de Donald Trump? O do estimulador da violência? O de comandante da barbárie social? O do chefe que destrói o futuro do Brasil e que agride as condições de vida do Planeta? Nenhum bom exemplo pode vir de sua pessoa, movido que é por alucinações doentias, atormentado por desejos de violência, impulsionado por tormentos sanguinários.
Bolsonaro parece não ser capaz de amar-se a sim mesmo e por isso odeia a humanidade. E por odiar a humanidade, não é capaz de se amar a si mesmo. Por isso não tem empatia, não sente piedade, não sente compaixão, não tem sensibilidade. Nada o comove. Move-se pelo ódio e pelo desprezo aos outros.
Recebeu da Fortuna um presente absolutamente imerecido: a presidência da República. Como presidente, continua com sorte, pois não tem oposição. Incapaz de governar, incapaz de agregar, incapaz de unir, busca culpados em todos os cantos para justificar a sua impotência, a sua incompetência. Ao invés de retribuir com trabalho os benefícios da sorte que teve, preferiu transformar o Planalto numa fábrica de crises, num púlpito de ofensas e de impropérios. Os seus discursos e as suas entrevistas são um catálogo de agressões, de estimulações da maldade.Leia também: Bernie Sanders está nos ensinando como derrotar Bolsonaro, por Gustavo Conde
Por não sentir empatia e piedade, Boslonaro agride cotidianamente a democracia, pois se trata do único regime que pode proporcionar a solução pacífica e justa dos conflitos humanos. Prefere a tirania no lugar do diálogo. Sonha ver montanhas de corpos massacrados no lugar de um povo unido pela paz, pela justiça, pelo progresso e pela igualdade.
Bosonaro serve os ricos, não porque quer comandá-los rumo a um projeto qualquer de construção do Brasil. Os serve porque sua mente é a de um servil, de um soldado que odeia a sua condição, de um serviçal que sabe que precisa ser servil para ser percebido. Se se sente não percebido, quer se fazer percebido pela violência.
Bolsonaro não tem nenhuma aptidão para o comando. A primeira condição para alguém comandar consiste em saber obedecer, como ensinaram os filósofos gregos. Como permanente amotinado, Bolsonaro nunca soube obedecer e por isso não sabe comandar. Existe uma diferença enorme entre saber obedecer as regras, as normas, as leis e a hierarquia e ser serviçal.
Bolsonaro é um péssimo presidente e um homem sombrio. Precisa ser parado, contido. Ele atenta contra a democracia, contra a Constituição e contra os direitos. Em que pese apelar a Deus a todo instante, é um homem sem fé. Não pode ter fé um homem que ama a violência e odeia a humanidade. Não pode ter fé um homem que libera as legiões de demônios para destruir as condições de vida no Planeta. Não pode ter fé quem despreza a floresta, os índios, os semelhantes. Não pode ter fé aquele que espezinha os que não têm poder.
Mas aqueles que não têm poder precisam saber que os poderosos que subjugam o poder à sua vontade tirânica o fazem porque são fracos. Todos os tiranos são fracos, são covardes, assim como os femenicidas. Não aceitam a pluralidade e a diferença. Não aceitam a condição plural do poder. Por isso são perigosos e precisam ser contidos.
Insuflar o poder dos sem poder hoje (essa é a história da democracia) é insuflar vida à democracia adoentada, à igualdade distante, à justiça extraviada, à liberdade ainda não conquistada. Insuflar o poder dos sem poder é sacudir a árvore sem frutos das aristocracias burocrático-parlamentares que hoje comandam os partidos de oposição, os partidos de esquerda. Insuflar o poder dos sem poder significa lançar o fogo da reprovação aos falsos profetas que enganam os pobres da periferia para construir impérios privados de comunicação, para ter uma vida de príncipes, para viver no luxo e na luxúria. Bolsonaro, um homem sem fé, se serve desses falsos profetas. Os falsos profetas, que mantêm o povo prisioneiro do ludibrio e da manipulação, servem Bolsonaro justamente porque são falsos profetas.Leia também: Presidente do Senado permanece em silêncio sobre vídeo compartilhado por Bolsonaro
Os sem poder, as mulheres, os jovens, os negros, os povos das periferias, os trabalhadores precisam insuflar seu próprio poder e se unir porque o poder estabelecido é maneiro, é cheio de mesuras, de conchavos, de enganações e por isso não contém as agressões de Bolsonaro. Os deputados desdizem hoje o que disseram ontem e dizem amanhã o que negaram hoje. As direções dos partidos e os parlamentares têm uma condição de vida bem distante daqueles que ganham um salário mínimo ou menos. Eles não serão capazes de parar Bolsonaro e de defender os direitos do povo. Somente os sem poder, insuflados em sua revolta, revoltados em suas condições de vida, cansados das falsas promessas, descrentes das instituições, desesperançados acerca do futuro, poderão parar Bolsonaro e garantir vida à democracia por mais enferma que esteja.
ALDO FORNAZIERI ” JORNAL GGN” ( BRASIL)
Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política (Fespsp).