O intelectual cubano Carlos Franqui (1921 – 2010), poeta e crítico literário, foi um dos comandantes barbudos que desceram a Sierra Maestra, ao lado dos irmãos Castro, o advogado Fidel (1926 – 2016) e o sociólogo Raúl, atualmente com 88 anos, bem como do legendário médico argentino de Rosário, Ernesto Che Guevara (1928 – 1967), tomando o poder em Havana, há 60 anos, na madrugada do Réveillon de 1959, ao derrubar o governo de Fulgencio Batista (1901 – 1973).
Franqui foi um dos primeiros dirigentes que se tornariam dissidentes do sistema pró-soviético escolhido pelos Castro. Ele deixou Cuba em 1967 e passou a residir na Itália, na cidade toscana de Montecatini Terme. Só romperia com Havana no ano seguinte, ao aderir aos protestos de vários setores da esquerda contra Moscou pela invasão à então Checoslováquia e a repressão à chamada ‘Primavera de Praga’ – que reivindicava a ‘liberalização’ do regime.
De ancestrais genoveses, Franqui, cuja grafia original do sobrenome é Franchi, morreria no exílio, em San Juan, capital de Porto Rico. Ao entrevistá-lo em Roma, noacanhado salotto de um modesto hotel de Via Sistina, perguntei-lhe como definiria a Revolução Cubana. Respondeu-me com uma declaração que nunca esqueci, “Fue la Revolución de la Pachanga”, utilizando uma expressão muito comum em seu país como sinônimo de alegria e festa. A entrevista foi publicada em 30 de novembro de 1980 em O Globo, do qual era correspondente na Europa.
Franqui se manteve vinculado à esquerda durante toda a vida. Principalmente ao Partido Comunista Italiano (PCI), mentor do Eurocomunismo e que, como o divergente de Sierra Maestra, condenou a ocupação de Praga. O PCI, aliás, preservou um ‘distanciamento crítico’ do Kremlin desde sua fundação, em 21 de janeiro de 1921, influenciado por dois de seus líderes históricos, o sardo Antonio Gramsci (1891 – 1937) e o genovês Palmiro Togliatti (1893 – 1964).
É possível que, se vivo fosse, Franqui simpatizaria com a arejada abertura da nova Carta de Cuba, a julgar pela primorosa obra de Direito Comparado do jurista luso-brasileiro, Durval de Noronha Goyos Júnior (foto), 68 anos, nascido na paulista São José do Rio Preto. O livro “A Constituição de Cuba de 2019 – Um Marco Democrático” será lançado nesta quinta-feira, cinco de março, às 19 horas, na Casa de Portugal, em São Paulo.
Noronha Goyos fez abrangente e audacioso trabalho. E pôde, assim, comparar a recente Carta, substituindo a de 1976, com a de oito países, entre os quais, a portuguesa, de 1976, e a brasileira, de 1988. As pesquisas recorreram, em muitas ocasiões, à legislação em vigor há 38 anos na China – revisada em 2018. Foi confrontada ainda às constituições da África do Sul (de 1996), Índia (1950), Itália (1947), Japão (também de 1947) e da extinta União Soviética – atualizada pela última vez em 1977. As novas leis cubanas assinalam o aggiornamento à inexorável globalização do planeta, após ter atravessado os difíceis anos da Guerra Fria e conviver até os nossos dias com o bloqueio econômico imposto pelos Estados Unidos.
O ensaio jurídico de Noronha Goyos é dedicado a alguns de seus colegas e mestres, dentre eles, o notável historiador baiano, professor Luiz Alberto Moniz Bandeira (1935 – 2017), autor, em 2016, de “Formação do Império Americano – da Guerra a Espanha à Guerra do Iraque”.
Tive a oportunidade de conviver com Moniz Bandeira, quando o hospedei em minha casa, à Calle de Viriato, em Madri, em setembro de 1977. Legou-me dois ensinamentos importantes. O conselho de jamais abandonar meus estudos de História e o hábito de fumar cachimbo, presenteando-me com uma pipa, que conservo comigo.
ALBINO CASTRO ” PORTUGAL EM FOCO” ( BRASIL / PORTUGAL)