A Folha sofre de uma incurável atração magnética por muros.
Antecipa, no site, o editorial que lança amanhã dizendo que espera que, com a Quarta-Feira de Cinzas, cesse ” a folia que deu o tom da política nacional nos últimos dias”.
Não vai, porque o carnavalesco governo onde Bolsonaro é o Momo não tem a menor chance de desfilar de outro jeito
Reclama a Folha que isso traz o “travamento da capacidade do país de lidar com desafios gigantescos na área social e na economia”.
Mas diz que “as balizas do regime têm sido bem defendidas e não há sinal visível de que serão atingidas”.
Deve achar que o autoritarismo do governo Bolsonaro é apenas um carro alegórico de sua folia.
Deveria trocar seu tom pedante de quem “critica mas apoia, em nome do mercado” pela simplicidade do samba da Mangueira: “não tem futuro sem partilha, nem messias de arma na mão”.
Foliões na política
Enquanto os festejos do Carnaval tomam as cidades brasileiras, renova-se a esperança de que a folia que deu o tom da política nacional nos últimos dias não sobreviva à Quarta-Feira de Cinzas.
Dissipou-se muita energia e flertou-se com aventuras perigosas e até desastres durante a algazarra.
No Ceará, um senador foi baleado ao acometer-se numa retroescavadeira contra policiais amotinados que aterrorizam a população. Em Minas, dos cofres vazios, o governador concedeu aumento de 42% à polícia, e a Assembleia terminou de contemplar o restante do funcionalismo com reajustes salariais.
O presidente da República fez bravata com combustíveis, provocou governadores e ofendeu jornalistas. Um general que o aconselha acusou o Congresso de chantagear o Executivo, o que estimula protestos de rua contra o Legislativo.
A família presidencial abraçou com fervor a causa de um miliciano morto pela polícia, com direito a divulgação de notícias falsas. O ministro da Economia referiu-se a servidores e a empregadas domésticas de maneira depreciativa.
Há coincidência na concentração desses fatos no tempo, mas existe também, a conectá-los, um déficit de responsabilidade e espírito público de autoridades e servidores incumbidos de funções cruciais para a estabilidade, sem a qual nenhuma administração prospera.
No sistema da Carta de 1988, esse papel cabe preponderantemente ao presidente da República. A arquitetura constitucional fez convergir nele os estímulos e os recursos para que se comporte com racionalidade, moderação e responsabilidade, acima de divisões menores da sociedade e da política.
A Presidência, porém, veio perdendo atribuições conforme outros atores institucionais, como o Congresso, foram ganhando importância. Além disso, ocorreu o acidente histórico de ter sido eleito Jair Bolsonaro, que despreza qualquer tipo de mediação e age tomado de um facciosismo rudimentar.
A resultante de um presidente que não assume o papel de coordenador da política nacional e atua como agitador de nichos é compatível com a bagunça que se viu nos últimos dias. Pode haver momentos em que o Congresso supra essa lacuna; no entanto sua própria condição de casa ultrafragmentada impõe limites a esse desempenho.
Os riscos do prolongamento desse statu quo não deveriam ser exagerados. As balizas do regime têm sido bem defendidas e não há sinal visível de que serão atingidas.
Mas há razão para temer pelo travamento da capacidade do país de lidar com desafios gigantescos na área social e na economia. A marcha atual conduz à instabilidade e ao impasse. Que seja descontinuada uma vez findo o Carnaval.
FERNANDO BRITO ” BLOG TIJOLAÇO” ( BRASIL)