Nunca desde os tempos da ditadura militar existiu no governo brasileiro uma presença tão maciça das forças do Exército ocupando os cargos de importância
Nunca desde os tempos da ditadura militar existiu no governo brasileiro uma presença tão maciça das forças do Exército ocupando os cargos de importância como no atual do capitão Jair Bolsonaro. Pela primeira vez na democracia, temos um militar nos três primeiros postos do Governo: o presidente, o vice-presidente e o ministro da Casa Civil, o recém nomeado general Walter Souza Braga Netto, que atuou como interventor federal no Rio de Janeiro e que agora assume no lugar de Onyx Lorenzoni. O cargo de chefe da Casa Civil é considerando como uma espécie primeiro-ministro.
Há quem veja nisso uma trincheira contra os perigos que espreitam a democracia e os que veem como presságio de uma nova ditadura. Os mais otimistas alegam que hoje as forças armadas brasileiras são de uma nova geração formada nos valores democráticos e na modernidade, vacinadas contra as tentações autoritárias e baluarte da democracia. Isso se deve ao apreço atual da sociedade pelos militares, uma das instituições, ao lado da Igreja, mais bem avaliadas nas pesquisas nacionais pela grande maioria dos brasileiros de todas as classes sociais.
E os pessimistas? Eles preferem ver nessa maciça presença dos militares no Executivo e na Administração pública um perigo real à volta do autoritarismo e até uma aprendizagem para que o presidente Bolsonaro prepare um golpe contra a democracia, dominando o Congresso para governar com a força das armas.
São os que viram com ironia e sarcasmo que até o ministro da Casa Civil seja um general do Exército. Sem dúvida a aposta de Bolsonaro de militarizar o Governo é arriscada e preocupa as forças democráticas como preocuparia um governo de religiosos e teocrático como nos países islâmicos.
Para entender melhor quem tem razão entre otimistas e pessimistas seria preciso ter uma visão mais clara dos bastidores em que o Governo se moveu até agora na defesa dos valores democráticos e das nostalgias autoritárias. Se os militares presentes no Governo estão sendo uma barreira aos desejos ditatoriais do Presidente ou um incentivo a eles. Hoje o Governo, após as mudanças e as novas nomeações de militares, é mais autoritário ou mais democrático do que antes?
É importante saber o que aconteceria hoje caso se repetissem, como no Chile e na França, manifestações maciças e violentas na rua contra o Governo. Se Bolsonaro decidisse apostar pela repressão e o corte de liberdades, seria apoiado pelos militares presentes no Governo ou impediriam suas tentações?
São perguntas graves e urgentes para saber se a democracia e suas conquistas libertárias desde os tempos da ditadura se consolidaram com essa forte presença dos militares no Governo ou se na verdade isso pode significar um incentivo à volta dos tempos sombrios das ditaduras e governos autoritários do passado.
Que a índole e a história pessoal do presidente Bolsonaro, desde seu começo no Exército sempre foram turbulentas e autoritárias e mais tarde no longo período como deputado federal, foram de nostalgia da ditadura e da tortura e inimigo dos direitos humanos, já é biografia. As perguntas que se impõem é se o fato dos militares aceitarem participar do Governo tão marcadamente está significando uma forma de se constituir um freio e vigilância das tentações autoritárias do Presidente, ou em uma maneira do Exército de querer entrar no Governo da nação pela porta democrática.
O fato de que na atual dinâmica do Governo, tenham sido até agora os seguidores mais acérrimos do filósofo e guru ultradireitista, Olavo de Carvalho, os maiores detratores e inimigos dos militares no Governo, pode significar que eles são vistos como muito progressistas pelos radicais do Governo, ao ponto de empurrar o presidente Bolsonaro a mudar vários generais do Governo. Já não é um segredo que os filhos ativos do Presidente revelaram uma índole autoritária que por vezes surpreendeu até seu pai que precisou alertá-los a ser mais moderados em suas ânsias iconoclastas.
O Brasil, o quinto maior país do mundo, o gigante e coração econômico do continente vive com o Governo Bolsonaro um de seus momentos mais delicados de sua democracia que pode depender, curioso paradoxo, dos militares que até hoje demonstraram seu respeito pelos governos democráticos e nunca deram sinais de rebelião nem mesmo com os governos de esquerda de Lula e Dilma. Sequer quando o Ministério do Exército passou às mãos de um civil nos governos de FHC.
Uma democracia consolidada no Brasil, sem o barulho de sabres, seria o melhor presente que o país pode dar aos outros países irmãos da América Latina que hoje se veem tentados a colocar a democracia em crise para dar passagem às velhas saudades de tempos que todos queremos esquecer.
JUAN ARIAS ” EL PAÍS” ( ESPANHA / BRASIL)