O PRÍNCIPE DA BEIRA E O FUGITIVO

Dois dos mais destacados estudiosos do período nassaviano no Brasil, José Luiz da Mota Menezes, de 83 anos, arquiteto de formação, e o historiador Leonardo Dantas Silva, 74 anos, ambos pernambucanos, autores de trabalhos relevantes sobre a presença neerlandesa no século XVII no País, afirmam que, no conceito do visionário nobre alemão, governador da Holanda no Nordeste, de 1637 a 1644, com sua iluminada corte instalada em Recife, uma verdadeira metrópole deveria ter palácios, pontes, jardins e fortes.

O Conde Maurício de Nassau construiria na Nieuw Amsterdam, com efeito, dois preciosos palácios, um dos quais, atualmente, é sede do Governo de Pernambuco, as duas primeiras pontes das Américas, uma delas preserva seu nome, o primeiro jardim zoológico do continente e dois imponentes fortes, o de Cinco Pontas e o do Brum – além da cidadela de Orange, na Ilha de Itamaracá, e as novas e altas muralhas da Fortaleza dos Reis Magos, rebatizada à época dos holandeses para Castelo Keulen, em Natal, capital do Rio Grande do Norte. Ele permitiria ainda que fosse estabelecida, à Rua dos Judeus, no centro de sua Mauricéia, a primeira sinagoga do Novo Mundo.

Contudo, fortalezas e castelos, bem como igrejas, góticas-manuelinas e barrocas-rococós, não eram a especialidade dos batavos. Eram lusitanos, como sabemos, os grandes mestres dessas obras nos vastíssimos territórios e feitorias da Coroa de Lisboa nas duas margens das Áfricas e em toda a Ásia – principalmente na Índia, Malásia, China e Japão. Mas, sobretudo, no imenso Portugal das Américas, o Brasil, cujos limites estendidas pelos bravos Bandeirantes eram defendidos por inúmeras fortificações. Foram tantos os fortes erguidos, aqui, que alguns são ignorados pela maioria dos brasileiros.

Um dos exemplos é a exuberante Fortaleza do Príncipe da Beira (foto), na borda direita do Rio Guaporé, no Estado de Rondônia, vigiando, ao Norte do País, a fronteira com a Bolívia. Semelhante, aliás, à Fortaleza de São José de Macapá, no Amapá – esta, porém, mais conhecida. A fortificação do Príncipe da Beira é considerada esplêndida até os nossos dias.

Possui o nome do título monárquico, denominado também Príncipe do Brasil, que ostenta o herdeiro do trono lusitano. Exatamente como o Príncipe de Gales que é destinado, no Reino Unido, ao sucessor do soberano britânico. Guaporé e sua fortaleza ganharam espaço no noticiário internacional, no início de 2020, quando o mundo ficou perplexo com a sensacional fuga do Japão de um de um super executivo do mercado automobilístico, Carlos Ghosn, às vésperas de completar 66 anos, responsável pela recuperação da francesa Renault e da nipônica Nissan – acusado por Tóquio de irregularidades administrativas.

Ele lançaria, agora, luz sobre a cidadela rondoniense, justamente por ter nascido naquele Estado, na localidade de Guajará-Mirim, banhada pelo Guaporé, próxima ao Príncipe da Beira, numa família de imigrantes libaneses, católicos maronitas, ligados à Santa Sé. Ghosn iria, ainda criança, estudar com os avós em Beirute e, posteriormente, cursaria Engenharia na Escola Politécnica de Paris, iniciando então a carreira como gestor da indústria de automotores.

Os maronitas mantiveram sempre profundos laços culturais e linguísticos com a França, fiel protetora dos Cristãos do Oriente, e, por isso, o Líbano é considerado francófono, pois, além do árabe, quase todos os cristãos falam francês. Ao escapar de forma rocambolesca, no dia 29 de dezembro de 2019, Ghosn se refugiou em Beirute, no tradicional bairro cristão de Achrafieh, onde passou a ser monitorado por jornalistas de várias nacionalidades, inclusive do Brasil, tendo concedido entrevista ao repórter do diário O Estado de S. Paulo, Fernando Scheller, quando chegou a ironizar seus acusadores. “Se você quer fugir, tem que ser rápido e surpreendente”, disse, arrematando: “Os japoneses não são rápidos… Eles precisam de muita preparação, planejamento e entendimento”.

A pequena pátria dos belíssimos cedros, no Mediterrâneo Oriental, espremida entre Síria e Israel, com poucos menos de três milhões de habitantes, foi a nação a enviar ao Brasil, proporcionalmente, população mais numerosa do que Itália, Espanha, Alemanha, Japão e, quiçá, o próprio colonizador Portugal.

Seus imigrantes, habilidosos comerciantes, percorreram, como mascates, todos os estados brasileiros, em lombo de burro, vendendo bugigangas de porta em porta, criando, na prática, o nosso mercado interno. Estão nas 27 unidades federativas e, na maioria delas, um de seus descendentes, quase sempre maronitas, já foi eleito Governador. Sendo que o paulista Michel Temer, alcançou à Presidência da República. E muitos acreditam que, dezenas de séculos atrás, os fenícios, ancestrais dos libaneses, teriam descoberto o Novo Mundo, atravessando o Atlântico com seus velozes barquinhos, deixando, no alto da Pedra da Gávea, no Rio de Janeiro, inscrições em sua língua semítica. Entretanto, não há comprovação científica.

ALBINO CASTRO ” PORTUGAL EM FOCO” ( BRASIL / PORTUGAL)

Albino Castro é jornalista e historiador

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