NOITE DE NATAL NA BARROCA LUANDA

Um ilustre e caríssimo lusitano, leitor desta coluna, em conversa recente, disse-me, sabedor de meus estudos históricos sobre os Grandes Descobrimentos da Coroa de Lisboa nos séculos da Idade Moderna (1453 – 1789), que teve o privilégio de viajar por todo o mundo português. Dei-lhe os parabéns por ter percorrido o planeta. 

Afinal, os lusos foram os primeiros europeus que desembarcaram nas Américas, em 1473, precisamente na Terra Nova, no Canadá, em busca do bacalhau, partindo dos Açores, com o algarvio João Vaz Corte-Real (1420 – 1496), portanto, 12 anos antes do genovês Cristóvão Colombo (1451 – 1506), a serviço da Coroa de Castela, alcançar o Mar do Caribe, em 1492, acreditando ter encontrado a riquíssima Índia das especiarias.

E foram também os primeiros a mapear as Áfricas, do Marrocos, no Atlântico, a Moçambique, no Índico, para além de atingirem a pé, com o diplomata e explorador Pero da Covilhã (1450 – 1530), em 1494, os territórios centrais nos quais se localizava, perto da nascente do Rio Nilo, o mítico reino cristão de Preste João. Era a outrora Grande Abissínia, compartilhada, hoje, pela Etiópia, herdeira dos soberanos da Idade Média que usavam o epíteto Negus, com outros três estados controlados por maometanos: Somália, Eritreia e Djibuti.  

Os bravos e intrépidos lusitanos alcançaram, ainda, a vastíssima Ásia, da Índia à Indonésia, da Pérsia, atual Irã, à Malásia, China e Japão – fundando a cidade portuária de Nagasaki, destruída, na Segunda Guerra (1940 – 1945), juntamente com Hiroshima, pelas devastadoras bombas atômicas dos Estados Unidos. As caravelas dos sábios Mestres de Avis, singrando mares com a Cruz de Cristo, símbolo indelével dos Cruzados das ordens medievais do Hospital e do Templo, chegaram até a Oceania, onde estão dois promissores países criados pelo Reino Unido, Austrália e Nova Zelândia, porém, não se animaram a instalar, ali, feitorias. 

O querido amigo, um tanto perplexo, ao ouvir a minha síntese da odisseia de seus compatriotas, respondeu-me então que havia visitado somente as nações africanas lusófonas. Tinha-se tomado de amores, sobretudo, pela capital de Angola, a adorável Luanda, de modos brandos e educados – traços da personalidade dos portugueses.    

Desperta a atenção na capital angolana, claro, a própria cidade debruçada sobre o Atlântico, como a Metrópole Lisboa à Foz do Rio Tejo, e as duas primeiras capitais do Brasil – Salvador, na Baía de Todos os Santos, e Rio de Janeiro, a Cidade Maravilhosa, diante da Baía da Guanabara. Luanda chama-se, na verdade, São Paulo de Assunção de Luanda, e comemorará, no dia 25 de janeiro de 2020, os 444 anos de sua fundação, em 1576, pelo fidalgo Paulo Dias de Novais (1510 – 1589), neto, por parte de pai, do navegador Bartolomeu Dias (1450 – 1500), primeiro europeu a ultrapassar, em 1488, o Cabo das Tormentas, próximo à atual Cidade do Cabo, na África do Sul, rebatizado depois de seu feito para Cabo da Boa Esperança.

Luanda, como a brasileira São Paulo, maior cidade de língua portuguesa do mundo, foi fundada em 25 de janeiro – data dedicada ao Apóstolo São Paulo. Dentre as preciosidades arquitetônicas legadas por Portugal na África estão a cisterna de Mazagão, no Marrocos, em estilo manuelino, o gótico tardio luso, bem como o intransponível Castelo de São Jorge da Mina, no Golfo da Guiné, na costa de Acra, capital de Gana, e a ponte de pedras, na Etiópia, sobre a nascente do Rio Nilo, que deságua na margem egípcia do Mediterrâneo. 

Outro marco igualmente relevante é a Igreja e Convento do Carmo, no centro luandense, erguida no século XVII pelos freis Carmelitas – considerada, justamente, o monumento mais representativo da arquitetura religiosa da antiga Província Ultramarina, levando-se em conta o bom estado de conservação e seus ornamentos rococós, com fachada rosada, semelhante a palácios e igrejas da velha Corte.

A exemplo do Palácio de Belém, sede da Presidência da República, ao pé do Restelo, a poucos metros do impressionante Mosteiro dos Jerônimos. Ilustra a coluna uma foto da nave dos Carmelitas e sua lusitaníssima azulejaria.

No imediato pós-Segunda Guerra, em 1945, o templo dos Carmelitas foi classificado como Patrimônio Nacional Português e, em 2009, concorreu a ser uma das Sete Maravilhas de Origem Portuguesa no Mundo – mas não foi eleito. Eram muitos e fortíssimos os competidores – um total de 27 obras. Ficaram entre os vencedores duas construções no Brasil: a Igreja de São Francisco de Assis, na mineira Ouro Preto, em sexto lugar, e o Convento de São Francisco e Ordem Terceira, na baiana Salvador, em sétimo. Mais duas na Índia: a Fortaleza de Diu, em primeiro, e a Basílica do Bom Jesus de Goa, em terceiro. A segunda foi a marroquina Mazagão, sendo a quarta, a Cidade Velha de Santiago, em Cabo Verde, e, em quinto, a Igreja de São Paulo, em Macau, na China.   

Das Sete Maravilhas de Origem Portuguesa no Mundo apenas três mantêm como idioma oficial a língua de Luis de Camões: as duas joias brasileiras, naturalmente, e a valiosa localidade cabo-verdiana. As demais praticamente já não se expressam em português. E, no entanto, continuam a ser profundamente lusitanas. 

ALBINO CASTRO ” PORTUGAL EM FOCO” ( PORTUGAL / BRASIL)

Albino Castro é jornalista e historiador

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