Com um Maracanã lotado, Ademir de Menezes, o “Queixada”, marcou duas vezes e o Vasco venceu o América por 2 a 1 na grande decisão do Campeonato carioca de 1950. Foi o primeiro campeão no novo estádio construído para a Copa do Mundo, que terminou com a trágica derrota para o Uruguai na final. Com a vitória e o titulo consagrador, o Vasco exerceu o seu direito de vencedor e escolheu o lado à direita da tribuna de honra, o lado da sombra, para localização de sua torcida. Conquista que consta do tratado de fundação do estádio, que o Fluminense agora se recusa a respeitar.
Tinha dez anos e aquele foi um jogo histórico e inesquecível para mim. Na tarde do dia 28 de janeiro de 1951 eu me tornei vascaíno para o resto dos tempos. Não foi preciso estar uniformizado, de chapéu preto e camisa cruzmaltina, na arquibancada do Maracanã. Muito distante dali, ouvi o jogo pela rádio Nacional, com narração de Antônio Cordeiro, em Goiânia, minha cidade, dando pulos e gritando o nome ídolo Ademir, artilheiro do campeonato com 25 gols. Por causa dele, também chamado de “azougue” pelos jornalistas esportivos, fui ao dicionário pela primeira vez para ver o significado da palavra. Pessoa de muita vivacidade e inquietude, segundo o Houiass.
Era assim que se faziam vascaínos, com um time que tinha Barbosa, Augusto, Ely, o príncipe Danilo, Ipojucan, Maneca e Dejair, e não como ocorreu no último domingo, (8/12), no empate com a Chapecoense no encerramento do Brasileiro. O torcedor está cansado de sofrer humilhações. Ao ver em campo um time medíocre com Lucas Ribamar no comando do ataque, chegou ao limite. Na posição dele já jogaram Heleno de Freitas e Romário, entre outros. Mais de 60 mil apaixonados vascaínos deixaram o estádio irrita-dos, levando para casa e a semana a frustração de mais uma decepção.
Ser torcedor de um clube de futebol, para quem não sabe, é uma condição irremovível, definitiva, inalienável. O sujeito pode trocar de tudo na vida, bicicleta, computador, profissão, namorada e até de ideologia, mas não do clube de coração. Esta é uma regra não escrita sagrada. É este o dilema em que se encontra o vascaíno hoje. Não vai passar a torcer pelo Flamengo, quer mais é que ele se foda, mas está tentado a cair na indiferença e deixar de construir a paixão clubista do filho, seu maior orgulho.
Para driblar o risco desta traição, da arquibancada do Maracanã ecoou o grito desesperado de “queremos jogadores,” debaixo de um vistoso mosaico em que se lia: “Nós somos a História.” Em nome desta história a imensa torcida se juntou num grito uníssono de guerra e partiu para pressionar uma diretoria que se comporta de forma amadora e incompetente, em permanente conflito com seus inúteis conselhos de anciãos e beneméritos. A campanha que cresceu nas ruas e nas redes sociais surpreendeu pelo volume, pulando para mais de 180 mil sócios-torcedores em poucas semanas, podendo chegar a 200 mil, com um espetacular aumento de 400%. Com a promoção, o Vasco se tornou o clube de mais sócios do país.
Já fui sócio, já deixei de ser. Meu primeiro carro, um fusquinha vermelho compra-do quando trabalhava no “Jornal do Brasil”, na década de 60 do século passado, ficou famoso pelo nome de “Gigante da Colina” por causa do adesivo colado em seu vidro traseiro. O Gigante, como era chamado, me acompanhou na luta política contra a ditadura e até preso foi, levado para o pátio do quartel do Doi-Codi, na rua Barão de Mesquita, Tijuca.
O Vasco da Gama é um clube de massa, de lutas, pioneiro na integração dos negros e operários no futebol. Teve entre seus técnicos o negro pernambucano Gentil Cardoso, um frasista irreverente e criativo, campeão carioca em 1952. E o intelectual mineiro Martim Francisco Ribeiro de Andrada, homem de ideias progressistas, que talvez gostasse mais de um papo teórico regado a uísque do que de comandar um treino. Foi campeão com o Vasco em 1956. Não se trata de um clube de conservadores. O presidente Alexandre Campello criará novo problema com a torcida se acertar patrocínio com a Havan, do bolsonarista radical Luciano Hang, em contraste com a história do clube.
Os cartolas que se preparem, trabalhem e rezem para que o Almirante retome sua gloriosa viagem por mares nunca dantes navegados, que exiba as armas, os barões, e sobretudo os jogadores e os títulos conquistados. Na impossibilidade de contar com a bússola do poeta Camões com seus versos inspirados nas aventuras do descobridor do caminho marítimo para a Índia, tratem de modernizar a gestão do clube. Se nada mudar, preparem-se para o confronto. Uma multidão de cidadãos vascaínos sairá do Campo de São Cristovão para tomar a fortaleza de São Januário, a Bastilha do Almirante Vasco da Gama.
ÁLVARO CALDAS ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)
*Jornalista e escritor