Não importa. São todos negros. É assim, com a naturalidade de quem fala da previsão do tempo, que a sociedade e as autoridades têm tratado a mortandade de jovens abatidos como moscas nas comunidades carentes. Nunca a charge do Latuff, arrancada da parede pelo deputado direitista, na exposição da semana da consciência negra, em Brasília, foi tão atual. Os corpos estirados incomodam, tal como as caçambas de lixo a céu aberto, pelas vielas. A identidade deles, não. Tampouco a dor das famílias, certamente ampliada, ao assistir pela TV o governador e seu aparato, a reafirmar a sua política de violência.
Com seu terno mais bonito, ele procura falar com firmeza, ao microfone, que a sua Polícia não vai mudar. Isto traduzido do politiquês habitualmente praticado significa mais jovens mortos. Em casa, na comunidade traumatizada de Paraisópolis, sua afirmação cai no colo das mães seguida de uma pergunta: meu filho estará entre os próximos?
Para João Doria, pouco importa. São negros e o seu olhar assustado busca tranquilidade no horizonte de 2022. Fala para o futuro.
Ali, o governador não fala para as famílias, a quem dirige um inicial e protocolar lamento. A essência do que diz está dirigida às torres de luxo dos prédios vizinhos do baile da DZ7 – que foneticamente nos remete à origem desta violência, se é que me entendem. Doria se dirige é a eles, os incomodados com o som da alegria negra e jovem, sem opção de lazer. É para esses que vai o seu discurso de excelência da sua Polícia.
O governador tem olheiras profundas e avermelhadas ao se exibir em público pela primeira vez depois do massacre perpetrado pelos seus policiais. Não. Não é pelo sofrimento da perda dos nove jovens de Paraisópolis. O que provoca as olheiras do governador paulista é o cálculo que deve ter feito durante toda a noite sobre a quantidade de votos perdidos na comunidade, onde vai de quatro em quatro anos, com ar festivo, prometer o que não leva.
Em suas contas de chegar, deve ter concluído que era melhor manter o discurso pela continuidade da execução dos jovens. Optou pelo eleitorado das torres. Eles sim, são rancorosos. Os moradores de Paraisópolis são contornáveis. Basta um afago e um carro de som. São simples, não exigem discurso sofisticado e não cobram. Não importam. São em sua maioria, apenas negros.
DENISE ASSIS ” BLOG 247″ ( BRASIL)