HONG KONG DERROTA PEQUIM NAS URNAS

Foi um tiro na mosca de um dos mestres do jornalismo nacional, o mineiro Zuenir Ventura, ao lançar, em 1989, um dos clássicos dos nossos anos de chumbo, “1968 – O Ano Que Não Terminou”, traçando um perfil do duríssimo regime militar imposto ao País, de 1964 a 1984, e a multiplicação das organizações ‘foquistas’ com suas ações de guerrilha urbana – de assaltos a bancos a sequestros de aviões de passageiros.

Nascido em Além Paraíba, município vizinho ao Estado do Rio de Janeiro, Ventura marcou época, nas décadas de 1960 e 1970, na legendária redação do diário carioca Jornal do Brasil, como editor e cronista, e atualmente, aos 88 anos, é membro da Academia Brasileira de Letras.

A obra aborda, também, a grande agitação estudantil ocorrida naquele ano em diversos pontos do planeta. Tudo começou em Paris, em maio, no princípio da Primavera, com a revolta contra o Presidente Charles de Gaulle (1890 – 1970) dos alunos da celebrada Universidade da Sorbonne, no coração do Quartier Latin, tradicional reduto da gauche francesa.

O movimento alastrou-se rapidamente, como um rastilho de pólvora, conflagrando na Europa, sobretudo, a Alemanha, a partir de Berlim Ocidental, e a Itália, entrincheirado nos campi de Roma e Milão, chegando, inclusive, às Américas, com a morte, na Cidade do México, de cerca de 400 estudantes, estendendo-se a Washington, onde os jovens clamavam pelo fim da Guerra do Vietnã, e a várias capitais brasileiras.

Um dos momentos relevantes, no Rio de Janeiro, foi a ‘Passeata dos Cem Mil’ que percorreu parte da Avenida Rio Branco, da Cinelândia à Igreja da Candelária. Quase simultaneamente, em Praga, capital da então Checoslováquia, centenas de milhares de pessoas se batiam pela abertura da ‘ditadura do proletariado’. Acabariam massacrados pelos tanques enviados por Moscou.

Passadas cinco décadas do Mai 68, deflagrado pela jeunesse parisiense, e guardando, obviamente, as proporções das diferentes reivindicações hodiernas e o tempo histórico, estamos no final de 2019 com a impressão de que, como no livro de Ventura, o ano não tem hora para terminar.

Pipocaram novamente inúmeros protestos no mundo. Como em 1968. Curiosamente, teve início outra vez em Paris, em outubro de 2018, com a eclosão do levante dos ‘gilets jaunes’, ou seja, os ‘coletes amarelos’, devido à alta do custo de vida, que teria se desenvolvido espontaneamente – e até hoje continua suas atividades.

Os franceses aparentemente inspiraram, no extremo asiático, a rebelde Hong Kong, com aproximadamente oito milhões de habitantes, antigo território britânico devolvido há 22 anos à China. A maioria absoluta de sua população quer mais autonomia do regime de Pequim e, nas últimas eleições dos 18 conselhos distritais, realizadas em 24 de novembro, os que defendem a democracia conquistaram 347 das 452 cadeiras disputadas – isto é, 76,8 por cento dos votos, contra 13,3 dos comunistas e 10 dos chamados independentes.

O tema é tão crucial que a prestigiosa revista semanal inglesa, The Economist, publicou só neste ano duas capas dedicadas à ex-colônia. Em 15 de junho, com o nome da cidade e algemas a substituir as duas letras ‘o’, e em 23 de novembro, intitulada “Hong Kong in revolt”. Os honcongueses, acostumados aos valores altamente liberalizantes da dinastia de Windsor, nunca se curvaram, a rigor, à anexação ao comunismo pequinês de sua metrópole – um dos principais centros financeiros internacionais, que se tornou possessão do Reino Unido após a I Guerra do Ópio (1839 – 1842).

Mas, convém recordar, foi um intrépido português, em 1513, o primeiro europeu a pôr os pés em Hong Kong, o explorador transmontano Jorge Álvares, natural de Freixo de Espada à Cinta, falecido oito anos depois na própria China. Os lusitanos passariam a controlar Macau em 1553 – um ano após a morte do maior dos missionários do Padroado Português na Ásia, o jesuíta espanhol navarro, São Francisco Xavier, evangelizador da Índia, Malásia, Japão e China.

Hong Kong, assim como os militantes ‘gilets jaunes’, parece ter ‘insuflado’ os manifestantes de Santiago, no Chile, que causariam a transferência da final da Taça Libertadores para Lima, no Peru, entre Flamengo e River Plate. Os protestos cresceram muito, igualmente, na colombiana Bogotá. E ainda no Oriente Médio, incendiando países já bastante castigados pela violência, como Irã, Iraque e Líbano, onde bandeiras, com o cedro ao meio, estão desfraldadas por toda a nação contra a emigração de jovens, que não cessa. Acontecimentos que, seguramente, serão relatados por novos escritores discípulos de Ventura.

ALBINO CASTRO ” PORTUGAL EM FOCO” ( BRASIL / PORTUGAL)

Albino Castro é jornalista e historiador

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