Não basta que o presidente da Fundação Palmares seja um racista. Para o bolsonarismo, era preciso encontrar um racista negro. Aberrações humanas, que convivem com todos nós, muitas vezes quase caladas, agora têm poder político e falam em voz alta, em todos os escalões.
Um negro que defende a escravidão não é apenas alguém exercendo o direito de se expressar. É um descendente de povos escravizados falando em liberdade de opinião e defendendo a supressão de todas as liberdades. Na escravidão, ele não diria nada do que diz hoje, nem se fosse para bajular seus algozes.
Mas no Brasil de Bolsonaro já não basta ser uma aberração, como as que circulam por aí, algumas tão próximas que não há como mantê-las à distância, porque são da família. Assim é a nossa vida torta, diversa e imperfeita. Agora as aberrações avançam e chegam à gestão de políticas públicas.
O negro racista em cargo público de comando é um problema e provoca indignações entre brancos do grupo de apoio do bolsonarismo, mas é um problema pequeno, um dos custos a serem pagos pelo antilulismo e pelo antiesquerdismo. O que importa é o projeto macro de Bolsonaro e esse projeto é “liberal”.
A elite brasileira aceita Bolsonaro em nome das reformas e do trabalho sujo que é preciso ser feito para destruir a educação pública, o SUS, os direitos sociais, as leis trabalhistas, a indústria nacional, a Amazônia.
Aberrações como a do negro que odeia negro só reafirmam que a aberração maior, a que sustenta o bolsonarismo, é isso que ainda definem com certa pompa como “a sociedade brasileira”. Bolsonaro é uma invenção das nossas patologias sociais e morais.
Sem a aberração coletiva que o elegeu, Bolsonaro não existiria, seria apenas um reacionário amigo do Queiroz e vizinho do Ronnie Lessa, ou continuaria sendo um deputado sem expressão e sem turma.
Bolsonaro é a aberração institucionalizada. Não é resultado de uma ditadura, nem uma imposição dos militares, não é um monarca. Bolsonaro é um déspota eleito.
A direita atrofiada descobriu que pode produzir figuras públicas repulsivas no atacado explorando medos, mentiras, desalentos e ignorâncias.
Às vezes, é preciso aplicar um golpe, como aplicaram na Bolívia. Mas são acidentes. A extrema direita foi mais competente, na manipulação da democracia, do que a direita clássica dita conservadora liberal. Perdemos o direito à normalidade.
As pessoas em cargos públicos que condenam tudo o que deveriam defender (o negro, o meio ambiente, a Justiça, o patrimônio público, a educação) são o Brasil representado nesses altos escalões.
Sim, o negro racista é uma exceção. Mas uma exceção com potência máxima. O negro racista está lá por ter poder político, e que poder. Ele é mais uma expressão dos descaminhos da democracia. As aberrações nos governam.
MOISÉS MENDES ” BLOG 247″ ( BRASIL)
Jornalista em Porto Alegre, ex-editor especial de Zero Hora