BOLSONARO E MORO QUEREM USAR “A LEI DO GELO” COM LULA

Presidente do Brasil e sua equipe de Governo parecem ter decidido não responder às acusações do petista

Em psicologia se chama de “lei do gelo” ou “lei do silêncio” o comportamento que usamos com uma pessoa que queremos isolar e ignorar. Por isso, quando ela fala, nós não lhe damos atenção. Com ela usamos apenas o silêncio. Pode se tratar da relação de casal, de um grupo de estudantes ou de um membro da família que não é levado em consideração e está encurralado nas conversas.

Essa mesma lei pode ser usada na política quando decidimos não nos relacionar com alguém ou lhe dar atenção, pouco importando o que diga, sem reagir sequer às suas provocações. É isso que Bolsonaro e Moro parecem ter decidido fazer diante das provocações e acusações do ex-presidente Lula depois que saiu da prisão e iniciou sua campanha eleitoral.

Bolsonaro parece ter decidido pessoalmente e pediu que os membros de seu Governo também “deixem Lula falar sozinho”. Não responder às acusações, impor-lhe esse mecanismo psicológico da lei do gelo. Moro, por sua vez, depois de ter sido chamado de “canalha” por Lula, disse: “Não respondo a criminosos presos ou em liberdade”.

A pergunta é até quando Bolsonaro e Moro serão capazes de manter a lei do silêncio com o ex-presidente hoje em liberdade sem responder às suas críticas, mesmo as mais severas. O ex-capitão aposentado não parece ser, por suas declarações, um personagem capaz de se controlar diante de uma provocação. Tudo nele, ao contrário, leva a pensar que é reativo, provocador, violento e fogoso. Não será fácil para ele ou para seus seguidores mais agressivos permanecerem calados quando Lula os provocar.

E Moro? Moro é diferente. É frio, de aço, sabe controlar suas palavras e sentimentos. E como é ambicioso, é capaz de usar esses instrumentos psicológicos do gelo e do silêncio com seus provocadores. E se responder o fará com monossílabos e sarcasmo. Sabe conter seus nervos de ferro.

Existem analistas políticos brasileiros que já comparam, efetivamente, a psicologia de Moro com a de Putin, o presidente russo, calculador e hermético, e tremendamente ambicioso politicamente. De fato, apesar de todas as críticas que lhe foram feitas, e depois de ter entrado no Governo Bolsonaro como ministro da Justiça, e apesar dos atritos que já teve com seu chefe, soube manter viva sua popularidade, superando-o em consensos. Além disso, nas recentes manifestações contra o Supremo Tribunal Federal, Moro foi aclamado como “mito”, roubando esse epíteto de Bolsonaro, o mito por excelência.

Sua frieza e sua ambição política, juntamente com sua capacidade de controle pessoal, levaram Moro a ser comparado com Putin. Christian Druso escreveu em seu “perfil psicológico de Vladimir Putin”: “Reflete uma personalidade extremamente dura, impenetrável. De todos os presidentes do mundo, Putin poderia ser um dos mais temidos por sua fria personalidade hermética”.

Com Putin, no entanto, com essa personalidade inflexível e imutável nos momentos mais difíceis de seu Governo, nos quais aparece frio como gelo no combate à violência e no uso dos serviços secretos a seu serviço, não funciona a lei do gelo, de tentar isolá-lo. Acredito que nem Bolsonaro nem Moro serão capazes de isolar Lula, um personagem nas antípodas do presidente russo, incapaz de se calar diante dos ataques. E, no final, essa estratégia de silêncio diante dele poderia ser um bumerangue de Lula contra eles. De fato, a lei do gelo, de isolar alguém, funciona com personalidades frágeis, com pouca autoestima, que no final são incapazes de suportar essa atitude de frieza calculada dos que estão à sua volta e acabam despertando uma síndrome com consequências físicas ou psíquicas.

Na Universidade de Roma La Sapienza, o professor Luigi Cancrini fez uma experiência sobre a lei do gelo com um grupo de estudantes, cerca de dez. Devíamos discutir um tema proposto por ele. Antes se pôs de acordo com o grupo para que, quando falasse uma colega, escolhida por ele sem que ela soubesse, ninguém lhe respondesse ou prestasse atenção. E quanto mais insistisse em entrar no debate, mais silêncio deveria ser feito em torno dela. Cancrini nos disse: “Vocês verão como não aguenta nem meia hora de debate sem se sentir mal”. Assim foi, e após 20 minutos de discussão em que ninguém a ouvia quando falava nem lhe dava a menor atenção, como se ela não existisse, a garota se levantou e disse ao professor “que estava com dor de estômago”. Para se defender da lei do gelo a que fora submetida, ela desenvolveu o sintoma de um desconforto físico.

Cancrini, um psiquiatra, um dos pioneiros no estudo dos problemas da droga nos jovens, costumava nos dizer que “via a criança que chora em cada paciente”. E nos explicava que as pessoas que tinham sofrido uma grande rejeição na infância por parte dos pais, era fácil que, quando adultos, acabassem sendo tiranos com os outros. E nos dava os exemplos de Hitler, do ditador espanhol Franco e de Stalin.

Os déspotas, segundo ele, são forjados na infância, na qual são importantes, por exemplo, fábulas como Branca de Neve ou Cinderela, da literatura infantil. Nelas, dizia o psiquiatra, se fala de maus-tratos e assim a criança se acostuma aos perigos, mas que podem ser superados se ela tiver o amor de alguém. Por isso costumava dizer “vejo em cada paciente adulto a criança que chorou na infância”.

Voltando à decisão de Bolsonaro e Moro de impor a Lula a lei do silêncio, não parece, contudo, uma tarefa fácil. O ex-presidente é consciente de sua coragem, de sua capacidade de fazer política e de tocar a alma dos mais pobres. Não é um santo, mas usa com sucesso os mecanismos capazes de tocar as fibras mais íntimas das pessoas. E é ao mesmo tempo orgulhoso e teimoso. Sua infância de dificuldades econômicas e abandono familiar fazia dele candidato a ser um daqueles personagens déspotas de que Cancrini fala. Certamente Lula soube encontrar, ainda quando criança, o antídoto psicológico para se defender.

É, portanto, ainda uma incógnita a relação que poderá ser estabelecida entre Lula, Bolsonaro e Moro na guerra política em andamento. Uma coisa parece certa, não acredito que, diante do silêncio daqueles que decidiram ignorá-lo, Lula possa cair em uma síndrome psíquica de abandono. Uma boa experiência para psiquiatras brasileiros.

JUAN ARIAS ” EL PAÍS” ( ESPANHA / BRASIL)

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