De inspiração marcadamente Protestante, seguidora dos preceitos inflexíveis do teólogo francês Jean Calvin (1509 – 1564), que conhecemos como João Calvino, discípulo e continuador da cisão iniciada na Igreja pelo monge agostiniano alemão, Martin Luther (1483 – 1546), o celebrado Martinho Lutero, arquiteto da Reforma Cristã, a República das Sete Províncias Unidas dos Países Baixos, agrupando, basicamente, o atual Reino da Holanda e regiões da monarquia da Bélgica e do Grão-Ducado do Luxemburgo, foi criada em 1581.
A capital era Haia, que até hoje, aliás, é a sede do governo, embora Amsterdam seja considerada a metrópole da nação. A República neerlandesa surgiu, por coincidência, três anos após o desaparecimento do último dos soberanos da ilustríssima Casa de Avis, O Desejado Dom Sebastião, aos 24 anos de idade, na Batalha dos Três Reis, em Alcácer-Quibir, ao Norte do Marrocos, próximo às cidades então portuguesas de Arzila, Larache, Azamor e Mazagão – situadas na costa Atlântica.
A tragédia de Dom Sebastião, numa época em que Portugal consolidara o mais extenso império globalizante do planeta, agregando as terras do Brasil, as Áfricas e as feitorias da Ásia, levaria Lisboa, devido a questões dinásticas, a perder a independência por 60 anos – de 1580 a 1640. Os novos monarcas passaram a ser os Reis de Espanha, isto é, Felipe II, III e IV, coroados em Madri, porém, pertencentes à legendária Casa dos Habsburgos de Viena d’Áustria. Verdadeiros baluartes da milenar Igreja dos apóstolos São Pedro e São Paulo contra a Reforma Protestante. Receberiam em Portugal os títulos, respectivamente, de Felipe I, II e III.
Os Habsburgos trouxeram consigo velhos inimigos, provocando, no começo do século seguinte, o expansionismo batavo nos domínios ultramarinos lusitanos. O mercantilismo das companhias holandesas das Índias Ocidental e Oriental voltaram-se, de 1624 a 1654, aos vastos canaviais lusos no Nordeste brasileiro, bem como na africana Angola e no Vice-Reinado da Índia, cuja capital era Goa.
O território ocupado no Nordeste chegou a se estender do litoral setentrional da Bahia, vizinho ao Estado de Sergipe, a São Luís, no Maranhão, tendo Recife como metrópole da empresa nassaviana. Rebatizada para Nieuwe Amsterdam, a cidade, como a ‘oude’ Amsterdam, ganharia canais, arrojadas pontes sobre o Rio Capibaribe, as primeiras do continente americano, exuberantes palácios, entre os quais, o Friburgo e da Boa Vista, e monumentais jardins.
Os holandeses também se aproveitaram da presença espanhola em Portugal e avançaram nas cobiçadíssimas ‘ilhas das especiarias’, as Molucas, na contemporânea Indonésia, com suas árvores de noz-moscada e cravo da Índia, desconhecidas na Europa até os albores da Idade Moderna (1453 – 1789). A Restauração da Coroa lusa, com a ascensão ao trono dos reis da Sereníssima Casa de Bragança, ramo familiar dos Avis, conduziria à heroica reconquista do Nordeste pelas tropas comandadas por generais de todas as etnias que formaram o País.
O português madeirense João Fernandes Vieira (1610 – 1681), o paraibano de família lusitana, André Vidal de Negreiros (1606 – 1680), o indígena pernambucano Felipe Camarão (1600 – 1648) e o afrodescendente Henrique Dias, da Capitania de Pernambuco, nascido em princípios do século XVII e morto em 1662. Retornariam ao controle, igualmente, Angola e boa parte da Índia, com a reintegração das localidades de Goa, Damão e Diu. Perderia, no entanto, quase totalmente a Indonésia, à exceção do Timor Português, que jamais seria colônia neerlandesa. E teve que ceder, em troca, a área reclamada por Lisboa da Guiana Holandesa, hoje, Suriname, ao Norte do Amapá. Timor Leste, como é chamado atualmente, mantém, contudo, vínculos profundos com a antiga Metrópole – da qual se emancipou há 44 anos.
Prova dos fortíssimos laços é o recente acordo, denominado Pró-Português, assinado em setembro último, na capital timorense Díli, para a qualificação até 2022 de professores do ensino secundário, no idioma comum aos dois países, com um custo de pouco mais de 16 milhões de euros (algo em torno de 103 milhões de reais), conforme noticiou, em destaque, a Agência Lusa.
A representar Portugal esteve em Díli o Presidente do Instituto Camões, o Embaixador Luis Faro Ramos, de 57 anos, que, na companhia da Ministra da Educação, Juventude e Desporto de Timor Leste, Dulce Soares, 59 anos, firmaram o histórico protocolo.
O Instituto Camões foi fundado em 1992 para a promoção da língua e da cultura portuguesas no exterior – semelhante à Aliança Francesa (de 1883), à italiana Sociedade Dante Alighieri (1889), ao Conselho Britânico (1934), ao alemão Instituto Goethe (1951) e ao espanhol Instituto Cervantes (1991). Raríssimos são os indonésios, no arquipélago asiático, a falar, ainda, o idioma da Holanda, que os colonizou do século XVII a 1949. Mas o pequeno e arrojado Timor Leste acaba de garantir para as décadas vindouras sua opção preferencial pelo vernáculo camoniano.
ALBINO CASTRO ” PORTUGAL EM FOCO” ( BRASIL / PORTUGAL)
Albino Castro é jornalista e historiador