O ano de 1492 marca profundamente os albores da Idade Moderna. Três episódios ocorridos na Espanha, sob a dinastia dos Reis Católicos, Isabel de Castela (1451 – 1504) e Fernando de Aragão (1452 – 1516), condicionariam os próximos séculos em todos os continentes.
O primeiro, seguindo a ordem cronológica das datas, foi a vitória dos soberanos de Sevilha, no dia dois de janeiro, contra o último califado muçulmano na Península Ibérica, instalado por 700 anos na andaluza Granada, no monumental Palácio de Alhambra – palavra originária do árabe al-Hamra, isto é, A Colorada.
Já o segundo, em 31 de março, o decreto de expulsão dos judeus do território espanhol, com o Édito de Granada – chamado ainda de Édito de Alhambra. Eram acusados de terem se aliado aos maometanos durante o domínio sobre os cristãos. Os que desejassem permanecer na pátria de Doña Isabel e Don Fernando deveriam se converter ao Catolicismo. Inúmeras famílias conseguiram atravessar as fronteiras do Reino de Portugal e lá se refugiariam em quase todas as regiões da nação de Afonso Henriques (1109 – 1185) – dos contrafortes setentrionais minhotos e transmontanos às meridionais planícies ensolaradas algarvias. E a terceira, a descoberta das Américas, em 12 de outubro, pelo genovês Cristóvão Colombo (1451 – 1506).
Duraria apenas quatro anos, entretanto, o exílio português dos judeus provenientes da Espanha – chamados em hebraico de Sefarditas, isto é, ibéricos. O que determinaria a exclusão seria o matrimônio do Bem-Aventurado Rei Dom Manuel I (1469 – 1521) com a filha primogênita de Doña Isabel de Aragón (1470 – 1498), cognominada Dona Isabel de Portugal. Um retrato a óleo dela ilustra a coluna.
Os Reis Católicos condicionaram a permissão ao casamento de sua filha, herdeira do trono de Sevilha, à expulsão dos judeus do país vizinho – ou a adoção da fé católica. Provavelmente, por ambicionar o trono espanhol, Dom Manuel I, denominado, ademais, de O Venturoso, cedeu à imposição e, em 1497, contraiu matrimônio.
Um ano depois, no entanto, Isabel de Portugal morreria em Zaragoza, porém, o édito não seria revogado. Muitos se recusariam a trocar de religião e, mais uma vez, tiveram que retomar a peregrinação de nova diáspora. Espalharam-se, novamente, por vários pontos da Europa, fixando-se. sobretudo, na Holanda, Itália e áreas do Leste europeu, inclusive na Rússia, para além do Oriente Médio, então debaixo da tutela dos turcos-otomanos, e Norte de África.
Inúmeras famílias, contudo, optaram pelo Batismo e passaram a ser chamados de ‘Cristãos Novos’. Alguns, conforme registra a historiografia judaica, teriam embarcado, inclusive, nas caravelas do fidalgo da Beira Baixa, Pedro Álvares Cabral (1467 – 1520), que, em 1500, a caminho da Índia, descobriria o Brasil.
Como assinala o advogado José Carlos Rodrigues Pereira do Vale, meu amigo e colega de diretoria na querida Casa de Portugal, em São Paulo, admirador da saborosa obra da pesquisadora carioca judia, Márcia Algranti, filha de pai romeno e mãe ucraniana, “Cozinha Judaica – 5.000 anos de Histórias e Gastronomia”, lançado em 2001.
O livro faz referências a hebreus convertidos que teriam participado da expedição de Cabral e das viagens seguintes, dentre eles, o polonês Gaspar da Gama (1444 – 1510 ou 1520), Fernando de Noronha (1470 – 1540), lisboeta de ancestrais judeus, um dos exploradores do comércio de pau-brasil, o minhoto Caramuru, como era chamado Diogo Álvares Correia (1475 – 1557), originário da diáspora judaica espanhola na Galícia, povoador de Salvador, tendo fundado, no Recôncavo Baiano, a histórica cidade de Cachoeira, e ainda João Ramalho (1493 – 1580), outro ‘Cristão Novo’, nascido em Vouzela, distrito de Viseu, na Beira Alta, considerado o Patriarca dos Bandeirantes.
“Você deveria dedicar uma coluna aos antigos judeus que chegaram ao Brasil praticamente com Cabral”, sugeriu-me Rodrigues Pereira do Vale – o que agora faço com grande prazer.
Mas, comprovadamente, o único dos ‘Cristãos Novos’ das embarcações comandadas por Cabral era Gaspar da Gama, conhecido como Gaspar das Índias, nascido na localidade polonesa de Poznan, morto, não se sabe ao certo, se em Calecute, na Índia, ou em Lisboa.
O posnaniense de raiz hebreia atuou como intérprete do Almirante-Mor Vasco da Gama (1469 – 1524), na Índia, e também para Cabral. E, no Brasil, a pedido do fidalgo beirão, tentou, segundo historiadores, se comunicar, sem sucesso, usando o árabe e o indiano sânscrito com os tupiniquins, tribo que habitava a costa do Estado da Bahia.
Ele acreditava que, por causa da cor bronzeada da pele e pelos olhos ligeiramente puxados, como os asiáticos, tivessem como ancestrais povos vindos do Oceano Índico. Poderiam, quiçá, entender o árabe, língua sagrada dos islamitas, construtores da capital Nova Déli, ou mesmo o sânscrito, idioma predominante entre os hinduístas. A Idade Moderna, iniciada em 1453, com a queda de Constantinopla, estendendo-se até 1789, com a Revolução Francesa, foi, inegavelmente, um período de grandes surpresas.
ALBINO CASTRO ” PORTUGAL EM FOCO” ( BRASIL / PORTUGAL)
Albino Castro é jornalista e historiador