Quando, em 1453, a magnífica Constantinopla, berço da Cristandade, caiu em poder dos sultões otomanos, os portugueses, defensores da fé Católica no mais ocidental dos reinos europeus, já dominavam há quase 40 anos, como sabemos, as águas do Mediterrâneo que separam a Península Ibérica das Áfricas.
A dinastia da ilustríssima Casa de Avis havia reconquistado para o Cristianismo, em 1415, a estratégica cidade de Ceuta, ao Norte do Marrocos, e controlava o acesso ao Estreito de Gibraltar, na costa da vizinha Castela. Mas os últimos invasores maometanos ainda detinham o Califado de Granada, encurralados na Alhambra – corruptela castelhana da expressão árabe al-Hamra, ou seja, a colorada, com referência à cor do palácio, preservada até os nossos dias.
Os Reis Católicos, Doña Isabel de Castela (1451 – 1504) e Don Fernando de Aragão (1452 – 1516), só conseguiriam arrebatar a colossal fortaleza granadina em 1492, encerrando os 700 anos de ocupação islâmica. O ano de 1492 marca também a Descoberta das Américas pelo astuto genovês Cristóvão Colombo (1451 – 1506). Os lusitanos, após a vitória em Ceuta, começaram a navegar pelo Atlântico, oceano abaixo, e, assim, chegaram a Porto Santo, Madeira, Açores, Canárias, Cabo Verde, São Tomé, Príncipe, Mina, Santa Helena…
Exploraram no mesmo século a margem Oeste africana e atingiram a asiática Índia, em 1498, dois anos antes da Descoberta do Brasil. A Coroa de Lisboa daria mundos ao mundo – conforme a obra épica “Os Lusíadas” do poeta Luis de Camões (1524 – 1580). Nascia, dessa maneira, o fascinante universo da lusofonia, como vaticinou em “O Mundo que o Português Criou”, publicado em 1940, o maior dos sociólogos da língua camoniana, o pernambucano Gilberto Freyre (1900 – 1987), autor de um dos clássicos nacionais, “Casa Grande & Senzala”, lançado em 1933.
Mais que um mundo miscigenado lusitano, presente em todos os continentes, com seus modos brandos e hábeis na diplomacia, ressaltam-se, igualmente, as conversões ao Catolicismo feitas por incontáveis missionários enviados pelo Padroado de Lisboa. Inclusive à Ásia, onde foram pioneiros o espanhol basco São Francisco Xavier (1506 – 1552), natural do antigo Reino de Navarra, e o italiano Matteo Ricci (1552 – 1610), nascido na província adriática de Macerata – ambos jesuítas.
Foi justamente São Francisco Xavier o grande evangelizador da Ásia. Da Índia, Malásia e Coreia à China, Japão e Indonésia – sobretudo no Timor Português, hoje, Timor Leste. Já Matteo Ricci, embora fosse missionário, exerceu na então capital da China Imperial, na célebre Cidade Proibida, em Pequim, o papel de destacado conselheiro dos mandarins e perorador das causas do Santo Padre e do Reino de Portugal. São Francisco Xavier é venerado pelos milhões de descendentes dos convertidos naquele continente a partir do século XVI. E não só na Índia, China ou Japão, porém, também na Malásia – conquistada para a dinastia dos Avis, em 1511, pelo indomável Leão dos Mares, Afonso de Albuquerque (1453 – 1515).
O mítico César do Oriente era à época Vice-Rei da Ásia lusitana, que compreendia ainda territórios africanos, como Moçambique, na costa do Oceano Índico. Até hoje, a propósito, se fala nas ruas da querida Malaca um dialeto local de raiz portuguesa, o kristang, isto é, cristão, que passou a integrar o currículo escolar no país em 2017 – mesmo na atual capital, Kuala Lumpur, cuja população, majoritariamente, é adepta do Islã. Considerada desde 2008 Patrimônio Mundial pela UNESCO, a velha Malaca do Leão dos Mares é uma Torre de Babel de religiões.
Existe, nesse sentido, uma rua emblemática. É a Jalan Tukang Emas – jalan em malaio é rua. Surpreenderia até um tarimbado enviado especial do prestigioso diário francês, Le Monde, Olivier Barrot, de 71 anos, quando constatou, em 1989, que, na Jalan Tukang Emas, conviviam, quase lado a lado, uma mesquita, monumentos hindus, uma igreja católica dos kristangs e lugares de cultos budistas e taoistas. Ali existem, aliás, vários restaurantes de cozinha chinesa, especializados em churrasco de carne de porco – animal proibido para alimentação dos muçulmanos. As marcas da presença portuguesa, no centro de Malaca, estão na preciosa Porta de Santiago, que ilustra a coluna, relíquia da monumental Fortaleza A Famosa, e na Igreja de São Paulo. A construção de A Famosa, foi ordenada por Albuquerque para se proteger das incursões islâmicas que tentavam retomar a metrópole.
Os portugueses seriam desalojados somente 130 anos depois pelos holandeses, em 1641, quando estes lutavam, na defesa do Recife batavo, no Nordeste brasileiro. Em 1795 Malaca passaria aos britânicos e só em 1957 se tornaria independente com a Malásia. A primeira capital foi Malaca, entretanto, seis anos mais tarde, seria transferida para Kuala Lumpur. O Bairro Português malaquês, Kampung Portugis, assim denominado em kristang, conhecido como Bairro de São Pedro, devido a existência no local de uma igreja dedicada ao Apóstolo, foi retirado do centro, em 1931, por determinação dos britânicos.
Os luso-malaios se instalaram a três quilômetros de seus casarios, junto ao Rio Malaca, mas se mantiveram próximos ao Estreito que leva o nome da cidade e separa o país da Indonésia. É um bairro encantador e muito bem cuidado pelos moradores. Onde se encontram ruas como a dos Portugueses e a de Afonso de Albuquerque. Uma atmosfera que remete ao esplendor dos Descobrimentos.
ALBINO CASTRO ” PORTUGAL EM FOCO” ( BRASIL / PORTUGAL)
Albino Castro é jornalista e historiador