Fala do filho do presidente sobre AI-5 ameaça democracia
A fala do deputado federal Eduardo Bolsonaro sobre um novo AI-5 é de uma irresponsabilidade política e de uma ignorância histórica colossais. O discurso do “inimigo interno” tem, sim, um viés fascista.
Mas a nova ameaça à democracia feita pelo filho do presidente também reflete método: criar uma nova crise para o clã Bolsonaro sair da defensiva e evitar acusações de corrupção do imbróglio Fabrício Queiroz e, mais recentemente, a citação do nome do presidente Jair Bolsonaro no caso Marielle Franco.
Nesta semana, tivemos o vídeo do leão com as hienas, o ataque destemperado de Bolsonaro à citação no caso Marielle e duas falas de Eduardo Bolsonaro ameaçando a democracia. É a estratégia de acionar a fábrica de crises para manipular a opinião pública e pintar o presidente como vítima de opositores que seriam inimigos internos, pois inimigos do país.
A afirmação de Eduardo Bolsonaro é bossal. Ele não tem noção do que seja democracia nem do lugar que ocupa no espaço público como líder do PSL e filho do presidente da República. Não há clima para a esquerda radicalizar. Pelo contrário, a esquerda é bem moderada. Quem está cercando o carro de Dias Toffoli e chamando ministros do STF de hienas é a extrema-direita que apoia o clã Bolsonaro.
Do ponto vista legal, a fala de Eduardo Bolsonaro poderia merecer a cassação do mandato, medida que tramitaria no âmbito do Conselho de Ética da Câmara e do plenário da Casa. Mas isso envolve um debate sobre a imunidade parlamentar.
Poderia haver também uma providência da Procuradoria Geral da República, mas é algo que podemos esquecer em tempos de um novo engavetador-geral da República, Augusto Aras.
O deputado Eduardo Bolsonaro desrespeitou a Constituição brasileira. Vamos ver os desdobramentos _se haverá alguma punição ou se, mais uma vez, o absurdo ficará por isso mesmo.
Houve uma reação política vigorosa. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), considerou as palavras “repugnantes” e o deputado “passível de punição”. Outros parlamentares criticaram. Entidades da sociedade civil também. Até Jair Bolsonaro disse que falar em AI-5 é coisa de quem estaria “sonhando”.
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Esquecer jamais
É preciso lembrar o que foi o Ato Institucional Número 5. Ele é retratado historicamente como o golpe dentro do golpe ou o começo dos anos de chumbo da ditadura militar de 1964. A medida só foi possível porque havia uma ditadura. Ela é inimaginável na democracia.
Foi uma legislação que estava acima da Constituição, que acabou de vez com liberdade de imprensa e expressão, que aprofundou a censura, que agravou a perseguição, a prisão a tortura e o assassinato de opositores e que deu autoridade aos generais para fechar o Congresso. Editado em 13 de dezembro de 1968, o AI-5 só seria revogado dez anos depois.
No Brasil, estamos normalizando absurdos como as ameaças do clã Bolsonaro à democracia. Agir assim é como as democracias morrem. Não adianta ter ilusões. Bolsonaro é um leão com dentes e tem projeto autoritário para o Brasil. Só terá êxito na desconstrução das políticas do país se solapar a democracia.
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Retratação
No começo da noite, veio a notícia de desculpa de Eduardo Bolsonaro. É tão crível quanto o meme com nota de três reais que ele usou para criticar a deputada federal Joice Hasselmann (PSL-SP).
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