Haveria pelo menos meia dúzia de motivos para Wanderley Guilherme dos Santos entrar para a história das ciências políticas brasileiras.
A maior razão é o fato de ter sido não apenas o grande intérprete político do país, mas o professor de várias gerações de cientistas políticos, e coordenador do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ).
Quando o ambiente político nublou completamente, com o advento das redes sociais e das manifestações de rua, Wanderley foi dos primeiros a prospectar os novos tempos, a ousar analises e interpretações.
Mas não apenas isso. Wanderley tinha uma extraordinária percepção sobre os fatos do momento, e uma base teórica sólida que lhe permitia interpretar com acuidade o que acontecia, e os desdobramentos.
Foi assim no trabalho célebre de 1962, “Quem vai dar o golpe”, quando previu o golpe militar com precisão. Antes, com Carlos Araújo (futuro marido de Dilma Rousseff) foi conhecer as supostamente temíveis ligas camponesas do Nordeste, a grande esperança da revolução popular. E constatou que não passava de meia dúzia de camponeses, movimento sem expressão que servia apenas para a imprensa da época brandir o fantasma da revolução cubana.
Em seu estudo, trazia um dado relevante: a análise dos discursos de Carlos Lacerda. Os intelectuais de esquerda ironizavam as análises simplistas e superficiais de Lacerda. Wanderley mostrava que residia ali sua eficácia, pois podia ser disseminado em qualquer ambiente, por qualquer leigo. Só recentemente, com a disseminação das fake News e das redes terraplanistas, o país entendeu melhor a eficácia política dos bordões primários.
Por sua capacidade de analisar os diversos aspectos da realidade, Wanderley foi um visionário também nos anos 70 quando, através do IUPERJ, apresentou um plano educacional revolucionário, englobando conceitos que só seriam assimilados nos países centrais em pleno século 21.Leia também: Morre Wanderley Guilherme dos Santos, cientista que antecipou o golpe de 1964
Seu trabalho constatava a diferença de ritmo de aprendizado das pessoas. Por isso mesmo, considerava ineficaz o modelo tradicional de escola, com o conteúdo compartimentalizado em 50 minutos de aula, apresentado de forma única para todos os alunos.
Mas como permitir um modelo que respeitasse o ritmo de aprendizado de cada aluno? Recorrendo à informática, dizia ele. E isso muito antes dos computadores pessoais serem inventados. Segundo ele, todo o conteúdo ficaria armazenado em computadores, e seriam acessados pelos alunos cada qual no ritmo próprio de aprendizado. Permitiria ao Brasil não apenas um salto educacional, mas se inserir, com políticas públicas, na nascente indústria da informática.
Esse trabalho se perdeu no tempo. Quando escrevi sobre Salma Khan, após uma apresentação dele no país, em 2012 ou 2013, Wanderley me mandou um e-mail com o trabalho. Ali se comprovava que o maior desperdício brasileiro é com as ideias inovadoras, que não germinam em solo pátrio.
Quando a noite se impôs sobre o país, Wanderley não deixou a peteca cair. Continuou batalhando, entrando nas grandes discussões, com a segurança dos que sabem que, assim como em outros momentos críticos, o país sobreviverá à selvageria.
Leia os artigos de Wanderley publicados pelo GGN
LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)